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OITAVO SERMÃO: Gênesis 26.11–21
E deu esta ordem a todo o povo: Qualquer que tocar a este homem ou à sua mulher, certamente morrerá. Semeou Isaque naquela terra e, no mesmo ano, recolheu cento por um, porque o Senhor o abençoava. Enriqueceu-se o homem, prosperou, ficou riquíssimo; possuía ovelhas e bois e grande número de servos, de maneira que os filisteus lhe tinham inveja. E, por isso, lhe entulharam todos os poços que os servos de seu pai haviam cavado, nos dias de Abraão, enchendo-os de terra. Disse Abimeleque a Isaque: Aparta-te de nós porque já és muito mais poderoso do que nós. Então, Isaque saiu dali e se acampou no vale de Gerar, onde habitou. E tornou Isaque a abrir os poços que se cavaram nos dias de Abraão, seu pai (porque os filisteus os haviam entulhado depois da morte de Abraão), e lhes deu os mesmos nomes que já seu pai lhes havia posto. Cavaram os servos de Isaque no vale e acharam um poço de água nascente. Mas os pastores de Gerar contenderam com os pastores de Isaque, dizendo: Esta água é nossa. Por isso, chamou o poço de Eseque, porque contenderam com ele. Então, cavaram outro poço e também por causa desse contenderam. Por isso, recebeu o nome de Sitna.
Já vimos como Deus teve compaixão de Isaque, embora fosse digno de abandono no tempo de sua necessidade. Pois este era um favor singular: que a castidade de Rebeca fosse mantida; porquanto a Isaque fora dada a guarda de sua própria esposa, e de sua parte a esquecera. Oh, desconfiança que merecia o mais severo castigo! No entanto, Deus o sustentou e foi o protetor de sua esposa, do contrário ela teria sido abandonada. Ora, aqui lemos que Deus estendeu mais amplamente sua mercê, ou, seja, ele queria que Isaque vivesse em segurança no futuro, e que ninguém o molestasse, quer em sua própria pessoa, quer no que tocante a sua esposa. E, na verdade, seria necessário que esta provisão lhe fosse dada graciosamente. Pois era possível que lhe fosse lançado em rosto que de modo algum ele se importava que sua esposa fosse exposta à vergonha e opróbrio. E isto poderia vir a ser-lhe a causa de muitas intrigas diárias. Aqui, porém, Deus o prova, e no entanto usa o rei do país para garantir-lhe sossego, e para que ninguém viesse a assaltá-lo. Por isso ordens são dadas para que ninguém lhe tocasse, infligindo-lhe a morte. Ora, isto foi feito mediante um privilégio especial, em conformidade com aquilo que já mencionamos do Salmo, a saber, que Deus, pelo favor que concedera a Abraão e a Isaque, inclusive castigou a reis e repreendeu a povos. No entanto, até onde podemos deduzir, Abimeleque, assenhoreado pelo medo, fez um decreto cujo conteúdo era mui correto. E por que isso não chegou a ser uma lei perpétua? Porque os homens que não possuem a raiz vital do temor de Deus nada podem fazer senão movidos pela força e violência; nada existe neles de sólido e constante, como veremos no momento oportuno. Mas, visto que Abimeleque então percebeu que, se Isaque fosse ofendido, ou se alguém lhe fizesse algum dano, tal ato não ficaria impune, e que Deus tomaria dele vingança. Essa é a razão por que ele foi refreado.
Ora, acima de tudo, isto nos é lembrado para que saibamos de que maneira Deus tem guardado os seus, ainda quando habitem entre pessoas perversas e cruéis, como se fosse entre bestas selvagens; não obstante, ele os tem sustentado com seu poder. Ele age assim porque, do contrário, não confiaríamos nele. Pois a bondade que Deus usou para com nossos antigos pais nos é não só lembrada, a fim de que saibamos que ele sempre foi compassivo para com aqueles que nele depositaram sua confiança, mas também para que não duvidemos de que ele não permitirá que hoje sejamos molestados, e assim tenhamos nele nosso refúgio. E quando descobrimos que ele estará ao nosso lado, e que por certo ele também manterá nossa parte, e que sua proteção nos será suficiente contra todos, então enfrentaremos todas as tentativas dos homens de nos desviar.
Quando, pois, nutrirmos tal confiança, então o exemplo de Isaque, que aqui nos é lembrado, servirá para instruir-nos, como se Deus nos mostrasse sua mão estendida a ajudar-nos e a socorrer-nos em nossas necessidades. E, especialmente, quando nossos inimigos se mostrarem fortes e poderosos, então saibamos que Deus não cessará de estender sua prestimosa mão. Pois conhecemos o que ele disse pelos lábios de seu profeta Isaías [Is 62.3] no tocante à sua Igreja, a saber, que ela lhe é mais preciosa do que todos os reinos e impérios do mundo.
Ora, admitimos nunca sermos tão desprezados pelas pessoas profanas, que não lhes pareçamos dignos (como se diria) de ser lançados aos cães. Contudo, seja como for, visto que Deus uma vez declarou que somos seu rebanho, e que ele nos tomou sob seu cuidado, estejamos certos de que ele não falhará em relação a nós, quando formos assaltados por aqueles que nos atormentam e para quem é como se Deus não lhes tocasse. Mas, a despeito de tudo, Moisés adiciona: “Semeou Isaque naquela terra e, no mesmo ano, recolheu cento por um” [v. 12]. Equivale a dizer que ele colheu cem vezes ao que semeara.
Aqui suscita-se uma dúvida: visto que Isaque não possuía sequer um palmo de terra, como pôde ele semear? No entanto, há quem imagine que ele adquiriu alguma terra ali; porém isso contraria toda a razão. Pois seria como se os pais se contentassem com a promessa que lhes fora dada, e que habitassem na terra da promessa como estrangeiros. E, deveras, lemos logo a seguir que Isaque foi estendendo suas tendas, para deixar claro que ele não tinha casa nem edifício certo. Vemos, pois, que ele era peregrino na terra, como o foi seu pai Abraão; mas é possível que arrendasse alguma terra para nela semear. Porquanto sua família era numerosa, como vimos no caso de Abraão, o qual reuniu de sua casa mais de quatrocentos homens selecionados com o fim de empreender uma batalha. Isaque não tinha menos que isso, como já vimos; do contrário ele não teria aumentado tanto, especialmente habitando num país estranho. Então teria arrendado algum sítio ou lançado mão de alguma terra para ali semear, como sabemos que os antigos pais, ainda quando Deus os enriquecesse, contudo não deixavam de enfrentar o trabalho, tanto eles quanto sua casa. Pois ainda quando possuíssem riquezas e comodidades, respectivamente, contudo não abusavam desses benefícios que Deus de maneira tão pródiga lhes concedia, nem da pompa nem do ócio, a fim de se tornarem reis, mas para manter-se sempre em condição modesta.
Observe-se, pois, sucintamente o que temos de aprender, quando Isaque, tendo arrendado alguma possessão, semeou ali. E isto é mencionado por Moisés, porque ele adiciona que Deus o abençoou ali, e o fez tão próspero, que colheu um cêntuplo. Mas descobriremos ser estranho que neste país, que era tão árido e, por assim dizer, estéril em comparação à Judéia e Síria, e daqueles países adjacentes, especialmente quando fala de um cêntuplo, que a coisa nos pareça inacreditável, porque estimamos aquilo que nos é contado de conformidade com o que já vimos.
Mas não é sem razão que nosso Senhor Jesus Cristo nos declare pelo uso de similitude, tomada da semente que é semeada; ainda quando ele vise a outro propósito. Não obstante, ele diz que, quando os homens semeiam, uma parte cai na vereda, e as aves do céu a devoraram; outra cai entre as pedras, e esta não deitará raiz, porquanto fica sem nutrição; a outra parte é sufocada entre os arbustos e espinheiros: “Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica e produz a cem, a sessenta e a trinta por um” [Mt 13.23].
Ao chegarmos neste ponto (como eu já disse), não podemos ser persuadidos a esse respeito, a menos que fosse o Filho de Deus a falar. Mas, os antigos pais, que escreveram da terra da Caldéia, e especialmente estiveram no mesmo lugar, e o conheciam plenamente, afirmam que o acréscimo ordinário era de oitenta e cem. Aqui, porém, visto que ele falava do país dos filisteus, o qual era fértil, mas não como a Caldéia, por isso Moisés o menciona, visto que Deus dera a Isaque uma dádiva singular, a ponto de colher um cêntuplo. Temos aqui um sinal da bênção de Deus derramada sobre Isaque, sim, concernente àquilo que pertencia a esta vida transitória. Pois embora os antigos pais sempre respeitassem a herança celestial, e volvessem todos seus afetos para lá, não obstante, sendo homens mortais, dependiam que Deus lhes dessem alguma prova de sua bondade neste mundo. Pois aquilo que Paulo diz tem sempre lugar aqui: “Pois o exercício físico para pouco é proveitoso, mas a piedade para tudo é proveitosa, porque tem a promessa da vida que agora é e da que há de ser” [1Tm 4.8].
Enquanto estivermos nesta vida, Deus não nos dará a plenitude daquelas bênçãos que nos prometeu. Pois, de fato, teríamos aqui nosso paraíso, e não estenderíamos demais nossos olhos; todos os nossos sentidos estariam isentos de excesso, se Deus nos desse, em todos os aspectos, aquela abundância que demandamos; e é por isso que ele nos dá somente uma pequena degustação de sua bondade, com o intuito de nos atrair para si. Mas, que importa? Só podemos reconhecer em parte que Deus é nosso Pai, não só pelo testemunho que de sua boca temos desse fato, mas também por aquelas bênçãos que liberalmente nos outorga. E aqui visualizamos ambas essas coisas, nesta história que Moisés estabelece, ou, seja, que Deus abençoa os seus, de tal sorte que tenham ocasião de regozijar-se nele, e ainda no fato de que ele divide seus bocados em porções tais que eles estão sempre de luto enquanto vivem neste mundo, e desse modo se veem impelidos a estender seus olhos para um horizonte mais distante. Observe-se bem nosso pai Isaque: ele prospera, se expande e se torna poderoso, no dizer de Moisés; e ele diz não só que Deus prontamente o abençoou; mas que o multiplicou de tal sorte que crescia sempre e se tornava cada vez mais rico. Mas, em contrapartida, ele adiciona: “de maneira que os filisteus lhe tinham inveja”.
Vemos que Isaque tinha tanta razão para regozijar-se em Deus, pela prosperidade que dele recebera, que, não obstante, este o despertou e misturou em seu doce alimento algum tempero ácido. Quando Deus o multiplicou de modo tão sensível, isso lhe era motivo de regozijo. Para todos os palestinos, isso era como que um espelho no qual visualizavam o que significava servir a Deus. Não obstante, isto se lhe converte em tribulação e motivo de molestamento da parte daqueles. Vemos, pois, como Deus tempera seus benefícios que outorga liberalmente a seus filhos (digo, os benefícios temporais que concernem a esta vida), para que jamais se acomodem e descansem aí. No entanto, aqui suscita-se mais uma indagação: por que Deus fez Isaque prosperar de tal modo que os habitantes da terra agiram contra ele? Porventura não lhe teria sido preferível que tivesse continuado numa condição modesta, vivendo tranquilamente sob sua tenda, do que enriquecer-se desse modo, a ponto de moverem guerra contra ele, não conseguindo tolerá-lo, receando que viesse a tornar-se senhor sobre eles e por fim viesse a tratá-los sob a planta de seus pés? Tudo indica que, se Deus tivesse agido assim, teria havido mais proveito a Isaque. Porventura o motivo de o multiplicar seria para que ele fosse perseguido, sim, para que ele não tivesse água nem para si nem para sua família nem para o gado? Deus, porém, é tão sábio em dispor as coisas que, se faz seus servos prosperarem, com isso lhes mostra que devem manter-se dispostos para com ele, e para que tenham ocasião de bendizê-lo. E, não obstante, quando ele os expõe a tribulações e vexações públicas, isso também ele reverte no bem deles. Assim, pois, que observemos isto como uma regra: que todas as graças que recebemos das mãos de Deus, neste mundo, são associadas a algumas misérias, e que nosso mel nunca é tão puro, que nele não haja perenemente certo misto de fel. Deus bem que poderia tomar outro curso, caso quisesse; porém devemos estar-lhe sujeitos e viver contentes com aquilo que ele faz, ainda quando nossos sentidos, e as concupiscências de nossa carne, lhe resistam. O fato é que, se um homem se deixasse advertir, jamais buscaria tornar-se rico ou poderoso; e assim, se ele meramente puder comer, beber e vestir-se, então que não busque nenhum outro estado ou condição. Não obstante, apraz a Deus exercitar alguns com pobreza e ser liberal para com outros; e ambos, os pobres e os ricos, podem ser fiéis, e, ambos, filhos de Deus. Não falo de todos em geral, porém notamos que há alguns que temem a Deus, os quais não são todos de igual posição e condição. Alguns deles possuem riqueza suficiente para sua manutenção; sim, e isso os faz viver com algum crédito e bem-estar entre os homens; outros, raramente possuem um bocado de pão para comer.
Ora, se estivesse em nós ordenar esta matéria, gostaríamos que Deus usasse antes de uma medida igual e parecida; sim, mas ele sabe para quê escolhe antes tal diversidade. E por isso (como eu já disse) cumpre-nos vivermos contentes com sua vontade. E assim, quando lhe apraz fazer seus servos prosperarem de tal maneira que saibamos com certeza que sua bênção repousa em suas pessoas, isso constitui um testemunho de sua bondade; e neste campo devem tirar proveito. Mas, quando houver alguma amargura misturada nela, então que concluam: Deus não quer que eu durma aqui, nem de tal modo descanse nestes benefícios terrenos, que me levem a esquecer a vida eterna. Cumpre, pois, que os fiéis tenham em si esta sabedoria e consideração, a saber, que saibam sempre como tirar proveito dos benefícios que Deus lhes outorga; e, entrementes, que não esqueçam o favor que ele lhes ostenta, ainda quando tenham muitas preocupações, tristezas, tribulações e erros, os quais lhes são causados pelos homens. E, nominalmente, aqui os ricos e os pobres, respectivamente, aprendem seu dever. Quando um homem for afligido com pobreza e carência, contudo, entrementes, Deus não permitirá que sejam tão destituídos e abandonados, sem que tenham sempre ao menos uma pequena porção, para que entendam que Deus se preocupa com eles. E, portanto, quando os fiéis não tiverem tudo quanto desejam, Deus, porém, os deixar ali como que abandonados, nem por isso devam murmurar contra ele, nem concluam que ele os rejeitou. Mas, aquilo que ele lhes der, ainda quando lhes pareça tão pouco (sim, nunca será pouco demais!), então que o apliquem para degustar a bondade de Deus, de modo que o invoquem como seu Pai e depositem nele sua confiança e pacientemente suportem sua condição, a qual, de outro modo, lhes seria dura e miserável. E, no tocante aos ricos, quando tiverem mais riquezas do que reclamam suas necessidades, se isso lhes causar algum cuidado e lhes produzir tristezas, lembrem-se do provérbio popular: “Aquele que possui terra, tem por perto a guerra”. Se um homem possui apenas uma fatia de terra, o mesmo será ou atraído a questões judiciais, ou, quem sabe, terá algum outro problema anexo a ela. Quanto aos ricos, repito, quando perceberem essas coisas, e que também não conseguem possuir seus bens em paz e tranquilidade, senão que sempre terão também algum problema e inquietação, que saibam que nem por isso devem sentir aversão, e que a bênção de Deus sempre lhes imprime ânimo para que confiem nele, e que não sejam levados à ingratidão e esquecimento, senão que bendigam sempre seu nome. E isto é o que temos de observar neste lugar, onde lemos que Deus faz Isaque prosperar, e esta foi a causa que levou os habitantes do país a invejá-lo, e que por isso o expulsaram de seu meio. Ora, lemos expressamente que o rei de Gerar lhe disse: “Aparta-te de nós, porque já és muito mais poderoso do que nós” [v. 16].
Aqui percebemos mais claramente aquilo que já toquei de leve, a saber, que aqueles que não se radicam bem no temor de Deus podem praticar atos virtuosos, porém isso é como que uma rajada de vento que passa e não fica; não há perseverança, a menos que esteja naqueles a quem Deus governa e a quem ele transforma por seu Espírito Santo, e que seu temor e obediência os sigam em seu curso até que alcancem seu alvo. Não obstante, mesmo os próprios fiéis não são tão constantes na prática do bem; ao contrário, muitas vezes se cansam e saem do caminho. Deus, porém, os corrige, e quando delongam aqui e ali ele os traz de volta à boa vereda. Mas, como para aqueles a quem ele ainda não regenerou nem os converteu, e que mantêm sua natural inclinação, ainda quando às vezes pareça que farão prodígios, contudo ao aceno de uma mão são transformados. Vemos isto no rei de Gerar, que antes disso mais parecia um anjo, pois quando falou do possível abuso cometido contra a esposa de outro homem, disse que tal coisa afetaria todo o país, e faria com que a vingança de Deus recaísse sobre grandes e pequenos. Temos aqui uma sentença divina; é como se Deus falasse por sua boca, e deveras não há dúvida de que esta confissão foi arrancada dele contra si mesmo e contra todos quantos consideram isto como sendo, por assim dizer, um pecado venial.
Eis, pois, Abimeleque demonstrando que Deus sempre lhe impôs e o inflamou com um zelo tal que mantinha este erro em profunda aversão, pois bem sabia que o mesmo causava em Deus grande desprazer. E por isso ordenou que se proclamasse que ninguém tocasse em Isaque nem em sua esposa, sob pena de morte. Este, contudo, é outro ponto que se deve realçar: é como se Abimeleque nutrisse profundo temor de Deus. No entanto, logo depois ele ordena a Isaque: “Aparta-te de nós”. Ele o expulsa; sabe que este está sob a proteção divina; e quando tenta alguma coisa contra ele, porventura não está como que desrespeitando a Deus e interrompendo a proteção que até então dispensa a seu servo?
Aprendamos, pois, que, visto ser tão notório entre os que não nutrem o temor de Deus, que, caso em dado momento se mostrem gentis e corteses para conosco, e logo depois mudam sua atitude, então que tenhamos paciência e estejamos prontos a sofrer suas injúrias depois de lhes haver feito o bem. Demais, saibamos que, a menos que Deus nos imprima seu temor e nos dê uma viva raiz dele, jamais teremos em nós qualquer constância ou sobriedade. Oremos para que se lhe agrade mostrar-nos, pelo efeito, que ele realmente nos renovou por seu Espírito Santo; e que não temos um zelo que se assemelha a fogo de palha que bem depressa se extingue, mas que desejemos marchar sempre avante em sua obediência e continuar nessa direção. E, ainda quando às vezes resvalemos os pés dessa rota, já que somos por demais fracos, a despeito de não estarmos isentos de extravio e de afastamento dele, contudo sigamos nosso curso até o fim. E por isso temos de rogar-lhe diariamente que aumente em nós as graças de seu Espírito Santo; pois se nosso desejo nunca fosse tão bom, com certeza bem depressa nos esfriaríamos; e, como nossa natureza é inconstante, de hoje para amanhã sofreríamos mudança, caso Deus não continuasse a nos governar.
Em suma, é isto que temos de observar. Ora, a razão aqui alegada por Abimeleque é extraída da experiência comum. Pois sabemos que os ricos desprezam os pobres, e aquele que tem muito acredita que outros não lhes fazem parelha. Por isso é que paulatinamente se enchem de orgulho e ousadia e seguem a crueldade, segundo o adágio: “Os homens são como cavalos, quando são bem alimentados se mostram imoderados e indomáveis: escoiceiam e mordem; em suma, não se deixarão montar”. E, mui comumente, esse é o caso com os homens. De modo que, quando um homem se torna grande em fartura e riqueza, indubitavelmente, por natureza, se penderá para o progresso e o orgulho terá domínio sobre ele. E assim lemos expressamente de Sodoma que, quando ajuntaram grande abundância de riquezas, se tornaram orgulhosos e mais tarde seguiram a crueldade, de modo a não nutrir nenhuma compaixão de seus vizinhos pobres, ajudando-os. E esta, por assim dizer, é quase uma questão ordinária.
Assim, pois, quando Abimeleque disse a Isaque, “Aparta-te de nós, porque és muito mais poderoso que nós”, isto se deu porque os homens abusam das graças divinas, e não conseguem contentar-se com sobriedade e modéstia, quando Deus os faz progredir.
Ora, assim sabemos quão perversos somos; pois quando Deus se nos mostra liberal, é indubitável que se aproxima de nós e nos atrai a si; e isto nos propicia ocasião a tanto mais nos humilharmos. Pois não há nada que deveria trazer-nos mais à ordem e ao cumprimento de nosso dever do que quando, dessa maneira, Deus se nos revela para que andemos, por assim dizer, à sua direita. Mas, se usarmos mal suas graças e (como eu já disse), se as riquezas gerarem em nós, respectivamente, orgulho e presunção, e dessa maneira menosprezarmos aqueles que são nossos inferiores, e em seguida a crueldade, de modo que atormentemos a um e molestemos a outro, devorando a este aqui e àquele ali, porventura não é isto converter a luz em trevas? Assim, pois, é preciso que conheçamos a perversidade que há em nós, e à qual somos não só inclinados, mas também atraídos, a menos que Deus nos afaste dela. Ora, quando Deus trata bem a seus filhos, é indubitável que ele tanto mais corrige neles este vício, para que não tenham o desejo de apressar-se a exibir seus chifres e suas jocosidades, e a pisar sob a planta de seus pés os que não são seus iguais; e já declaramos que há sempre misturada certa moderação, para que não se gloriem e se gabem em demasia de sua felicidade. Seja como for, o fato é que ele opera nesse particular por meio de seu Espírito Santo, porquanto em nós nunca haverá alguma modéstia, sempre que nos for propiciada alguma ocasião de progresso. A casca de uma cebola (segundo o provérbio popular) é suficiente para fazer-nos esquecer nossa origem, e tornar-nos embriagados com arrogância, e levar-nos a desprezar todos os demais.
Isaque, porém, não era tão dado ao orgulho e presunção, e Abimeleque o fez errar. Mas (como eu já disse) ele o mediu pela metragem comum, uma vez que o critério dos homens é sempre oprimir os menores, quando têm a chance de fazê-lo, e tirar ou deixar, segundo seu poder de causar dano.
E é por isso que Abimeleque disse: “tu és mais poderoso que nós”. E desse fato temos de observar que Deus nos admoesta por meio deste exemplo comum a conduzir-nos pacífica e modestamente, quando nos for propiciada alguma ocasião de prestarmos alguma conta de nós mesmos, para que nos desvencilhemos e sejamos tanto mais cuidadosos em manter-nos em nossa posição, sim, na inferior; e, entrementes, se lhe aprouver humilhar-nos e manter-nos em condição baixa e desprezível, saibamos que ele faz o que nos redunda em bem, e for, por assim dizer, uma medicina preventiva; e saibamos que, se porventura subirmos patamares mais elevados de honra, isso nos faria totalmente cegos.
E é isto que temos de reter neste lugar. Ora, lemos em seguida: “Então, Isaque saiu dali e se acampou no vale de Gerar, onde habitou” [v. 17]. Ele não saiu de vez do país, mas se afastou para não ter nada mais diante de seus olhos e eliminasse qualquer ocasião de malícia da parte de todos os habitantes de Gerar. Pois sabemos que gênero de pessoas eram os filisteus. Aqui vemos, em primeiro lugar, a paciência de Isaque, que não só não replicou, mas, para garantir-se de paz e descanso, tomou sua bagagem e seguiu seu caminho, a fim de fincar sua tenda em outro lugar, e dessa forma exibir sua humildade. É verdade que ele não saiu completamente do país, mas, não obstante, poderia ter feito alguma resistência a fim de delongar-se naquele lugar, onde, por assim dizer, adquiriu um sítio.
Já vimos que seu pai Abraão preparou, por assim dizer, um pequeno exército em sua casa. Portanto, ele poderia ter feito algo semelhante, e assim teria desfeito a injúria que lhe foi feita. Mas longe dele agir assim, porquanto era como que um cordeiro. E Moisés não diz que ele fomentasse alguma contenda, ou fizesse qualquer escaramuça, ainda quando fosse escorraçado de seu meio, e isso injustamente, depois de o haver recebido, e depois de lhe haver mostrado algum sinal de cortesia; no entanto, ele deixou tudo. Assim, pois, somos ensinados, quando formos oprimidos, a suportar nossos erros pacientemente, e a não lançar mão da espada a fim de nos vingarmos, quando parecer que temos uma causa justa diante dos homens. Pois bem sabemos o que nos é ordenado, a saber, que abramos mão da ira, ou, seja, deixemos que Deus nos vingue, e assim seremos seguidores de nosso pai Isaque, permitindo ele ser perversamente expulso do país, onde se comportara de tal modo que deveria antes ser amado por todos. Porque, que ocasião lhes dera para que lhes fosse suspeito de algum mal? E no entanto o lançam fora e ainda afirmam que ele era forte demais, como se houvera usado mal sua grandeza. Assim, esta é uma lição no tocante à retirada de Isaque, onde lemos que ele veio para o vale de Gerar.
Agora Moisés adiciona outra prova que lhe fora mui difícil, a saber, que ele voltou a abrir os poços que seu pai Abraão havia cavado durante sua peregrinação ali, e que conservou os mesmos nomes que lhes foram dados. Percebemos aqui, em primeiro lugar, a malícia dos filisteus, a despeito de Abraão haver vivido com toda cortesia entre eles; sim, e que Abimeleque, predecessor deste homem, fizera com ele uma aliança, e veio à sua procura, e Abraão lhe dera um dos poços que havia aberto, o qual comprara outra vez e lhe prestara homenagem, como já vimos. Não obstante tudo isso, eles vieram e entupiram esses poços. Sabiam que Abraão era o servo de Deus, e profeta; Deus havia sustentado sua disputa, e estavam de posse de um testemunho visível desse fato. Pois inclusive a casa de Abimeleque fora derrotada, e Deus a açoitara; e por isso poderiam ter-se mudado dali e lhe cedido o lugar. E, a despeito de que, por certo tempo, não foram bem informados, visto que Abraão protestara que não errara contra, nem havia ferido a ninguém, como havia jurado a Abimeleque, deveriam ter-se contentado com isso. Tiveram experiência de que aquele homem era muito leal e que havia mantido sua promessa onde a fizera. Não obstante, para que ele nunca mais voltasse, entupiram os poços que ele havia cavado. Pois sem dúvida isto foi feito com o fim de impedir que ele voltasse a viver entre eles. Porque, visto ser ele um estrangeiro, então que buscasse um lugar adequado para ali habitar; como alguém diria, “ao menos ali terei água, e outra vez haverá pastagem para meu gado”.
Assim, pois, ele poderia ter regressado. Mas, o que fizeram? “Ah! assim que a água lhe for tomada, então se verá constrangido a buscar pastagem em outras paragens; e assim nunca mais voltará para cá.” Percebe-se aqui uma malícia vil e maldosa. Saibamos, porém, que a vontade de Deus é que seus filhos sejam assim molestados, desse modo testando sua paciência. E, também, notemos que tudo contribui para a confusão dos perversos, quando se mostram desapiedados para com os servos de Deus. Pois, indubitavelmente, se Abraão continuasse habitando ali, a bênção divina teria repousado sobre aquele país. E, quando a mesma coisa se repete com Isaque, colhendo ele o cêntuplo de tudo quanto havia semeado, sem dúvida a terra era fértil, e que todos os seus vizinhos degustavam do favor divino. Em suma, os filhos de Deus sempre degustam de algum doce sabor de sua mercê; e já vimos o que foi dito de Sodoma e Gomorra, a saber, que, se Deus encontrasse ali ao menos dez justos, a cidade não seria destruída.
Vejam-se, pois, os desprezadores de Deus, e infiéis, que expulsam os fiéis de seu meio e já não podem habitar com eles; e que isto sempre se reverterá para sua própria confusão. No ínterim, Deus terá compaixão dos seus; e não importa se forem expulsos do mundo, perseguidos, e não tiverem onde apoiar seus pés, ainda assim acharão sempre algum refúgio e sombra onde possam descansar. No entanto, devemos armar-nos com grande paciência quando os homens se mostrarem cruéis contra nós, a ponto de não encontrarmos equidade entre eles, e se mostrarem como que bestas dementes; contudo, devemos suportar tudo isso para que estejamos armados com o Espírito de Deus, que é o Espírito de clemência. Seguramente, não precisaremos fazer nada para expelir nossa própria peçonha. Pois somos tão melindrosos e escrupulosos, que não conseguimos suportar nada, e vivemos sempre prontos a revidar nossas próprias intrigas. Portanto, nunca seremos tão brandos a ponto de suportar as injustiças que nos são feitas, a menos que Deus nos governe por seu Espírito Santo. Mas, seja como for, o exemplo dos pais é aqui posto diante de nossos olhos, para que aprendamos a não nos sentirmos exasperados e inquietados demais, quando os homens de alguma maneira nos atormentam.
Além do mais, aqui lemos expressamente que Isaque “lhes deu os mesmos nomes que seu pai lhes havia dado” [v. 18], como lemos acerca de Berseba, que era o poço do juramento, porquanto Abimeleque prestara ali um juramento a Abraão. Ora, isso se deu para que a posse fosse mantida. Pois este era igualmente um instrumento público ou escritura de contrato, ou algo parecido. Abimeleque fizera ali uma aliança com Abraão; sim, uma promessa ratificada com uma cerimônia solene. Abraão reconhecera a homenagem que lhe era prestada pelos poços; o próprio nome testifica desse fato. De modo que Isaque pretende que os habitantes soubessem que esta era uma parcela da herança que seu pai lhe adquirira, e por isso ela lhe pertencia por força de lei. Mas, nada disso prevalece, não importa que nome recebesse; não obstante tudo isso, não cessam de digladiar-se com ele. E assim vemos que, por mais que os filhos de Deus outra coisa não busquem senão desfrutar do que lhes pertence, e lhes seja lícito usar, não obstante daí serão expulsos. Pois os desprezadores de Deus são impudentes; e não importa o que os homens lhes alegarem, mesmo assim diante deles nem razão nem equidade pode prevalecer ou contar com sua consideração. E ao notarmos a mesma coisa hoje, não concluamos que tal coisa seja nova ou estranha. Naquele tempo de antanho havia mais simplicidade, não obstante percebemos que Isaque seria expulso de tudo aquilo que ele pretendesse ser seu por direito, como era possível.
Ora, por isso lemos que ele deu nomes àqueles dois poços, os quais foram tirados dele, significando que lhe pertenciam por força de lei, isto é, dos quais havia tomado posse. Pois não lhe era vantajoso litigar, como se dá hoje, no entanto é violentamente expulso da possessão. Ora, não há dúvida de que, ao dar esses nomes que embutiam porfia e contenda, isso foi feito como se ele estivesse apresentando a Deus sua queixa, ao ver que os ouvidos dos homens eram surdos e destituídos de toda e qualquer razão. Ele não tinha outro recurso senão estabelecer este memorial para que Deus tivesse dele compaixão.
Agora, pois, aprendamos, quando nada lucrarmos, exibindo nossos títulos e direitos com o intuito de conservar o que é nosso, e o que nos for dado, que, todavia, não deixamos de confiar que, afinal, Deus usará de compaixão para conosco. Eis, pois, o que temos de fazer: quanto estiver em nós, nos esforcemos para que os homens nos deixem em paz, e não nos venham devorar. Isto será sempre lícito aos filhos de Deus. Porque, por mais que nos seja imposto a que sejamos como ovelhas entre os lobos, contudo Deus nos tem permitido uma defesa pacífica, visto que ele nos tomou em suas mãos.
Portanto, devemos esforçar-nos, quanto estiver em nós, por repelir todas as violências, injustiças, ultrajes e tumultos, que porventura nos for feito, e todos os molestamentos que porventura engendrem contra nós. Porventura temos feito isto? Se nada lucramos, e que os homens se tornam tão obstinadamente inclinados a causar dano, e, especialmente, se forem tomados de tal fúria que toda a razão for tripudiada entre eles, então recorramos a Deus e oremos para que lhe apraza tomar em suas próprias mãos nossa causa, e não duvidemos quando os homens se tornarem tão descorteses, que escarneçam de tudo quanto porventura aleguemos, de que no fim Deus os enfrentará.
Eis, pois, o que temos de aprender do exemplo de Isaque, quando ele dá nomes aos poços: suportar as intrigas, debates e contendas. Pois isso não podia resolver-se com bons humores ou maus humores, visto que há tantos que se vingariam e emitiriam alguma palavra injuriosa. Isaque, porém, encomendava sua causa a Deus, como também somos exortados por Pedro que, quando formos alvo dos homens invejosos, e não pudermos encontrar remédio em suas mãos, então esperemos até que Deus nos estenda sua mão, como seguramente ele fará.
Ora, por fim lemos que Isaque, havendo cavado um poço, pelo qual ele não foi assaltado, lhe deu o nome de Reobote, que significa dádivas. E, especialmente, ele o expressa no plural, e não se contenta em dizer: “Eis uma dádiva!”. Mas diz: “eis as dádivas que Deus nos tem outorgado”. No entanto, vemos mais claramente o que eu toquei de leve antes, ou, seja, quando Isaque se viu em tão profunda angústia, que não tinha nem água para beber, que os homens eram tão cruéis para com ele, que não podia beber nem ainda da água que ele mesmo tivera o trabalho de cavar, bem como pelas mãos de sua família, então apresenta a Deus o problema, visto que ele é o justo Juiz.
Mas, em contrapartida, quando Deus teve compaixão dele, e os homens não mais vieram para atormentá-lo, e agora tem para si água para beber, bem como para seu séqüito, então declara: “Oh! Eis que Deus me outorgou tudo isso”. Ele não disse: “Oh! Enfim eu vi concretizado meu propósito. Finalmente, estes perversos me deixaram em paz. Agora, desfrutemos de nosso sossego!”. Ele não fala simplesmente como um homem profano gostaria de fazer, porém conserva consigo um memorial de ação de graça oferecida a Deus, porquanto ele estabeleceu um memorial de suas queixas a fim de arrancar compaixão do Senhor em seu favor.
De modo semelhante é sua mente, agora que este benefício divino lhe era gravado, e que os homens falariam dele, não só por três dias, mas ainda após sua morte, e que reconheceriam naquele poço um sinal do favor que Deus lhe demonstrava. E notemos bem esta circunstância, pois ele não cessa de render graças a Deus com coração sereno, ainda quando vivesse por muito tempo aflito. Depois de suportarmos por muito tempo tribulações semelhantes, as graças de Deus costumam ficar envoltas em escuridão por nosso pressentimento. E se Deus nos suporta a languidez por algum tempo, ainda quando mais tarde nos estenda a mão, contudo não cremos que isso procedeu dele, e sim o atribuímos à fortuna.
Isaque, porém, não agiu assim. Muito embora fosse expulso, e o suportasse por algum tempo, contudo, tão logo Deus lhe deu alívio, passou a bendizer seu Nome e a dizer: “Deus me engrandeceu. Eis as dádivas ou benesses divinas que contemplo neste poço”. Ora, por fim temos de notar a paciência de Isaque, ao pregarmos hoje sobre a paciência, dificilmente conseguimos atingir este ponto, ou, seja, que, se porventura tivermos de suportar tão pouco, logo estaremos fogosos e irados; e quando parecer que somos mui pacientes, contudo sempre haverá algum ressentimento, a menos que Deus, ainda no primeiro impulso, nos conforte; e, nesse meio tempo, o que realmente sofremos? Seguramente, quase nada! Se suportamos apenas uma coisinha de nada, oh! é tão difícil que haja algo tão doloroso! E, além do mais, se os homens continuam a fazer-nos dano, oh! nosso sofrimento é insuportável! Mas estamos longe desta clemência e brandura que aqui nos são exibidas em nosso pai Isaque. Talvez diríamos: “Eu não o suportaria”. Se alguém errar contra nós apenas numa pequena importância em dinheiro, ou nos tomar um objeto de pequeno valor, logo diremos: “Eu não tolero isso; é muito para mim!”.
Sim, Isaque, porém, se empenhou pela água (digo, empenhou-se); ele não empunhou uma espada a lutar por ela; no entanto, preferiu sofrer a injustiça. Ainda que houvera cavado os poços, e seu pai os adquirira de seu próprio bolso, e que o rei lhe dera uma garantia; e ele os havia aberto de novo e feito muitas viagens a fim de ter água para beber; não obstante tudo isso, percebemos sua paciência. E assim, quando Deus nos afligir, e entregar aos ímpios as rédeas, e formos importunados e tosados por eles, contudo saibamos que não chegamos a atingir o extremo de não possuir sequer uma gota de água, e ver tirados de nós aqueles elementos que Deus quer que sejam comuns entre os homens. Pois cada um de nós deve ter sua porção à parte, seja de grão, seja de vinho, seja de carne, e coisas desse gênero, bem como móveis e possessões; cada um deve possuir suas próprias coisas. No entanto, a água é um elemento que Deus ordenou a todos os homens.
Quando há rios, poços e fontes em algum caminho, por que tais coisas seriam suprimidas daqueles que são criaturas de Deus? Mas, seja como for, coube a nossos pais que chegassem a tal extremo. E isto (como eu já mencionei) serve ao propósito de aprendermos a cultivar a paciência, não só sofrendo alguma injúria leve, ou duas, ou três, senão que em todos os aspectos sejamos de natureza mui mansa e cordata; se porventura for uma questão de vida ou morte (como se diz), depositemos nossa esperança em Deus, para que ele exiba sua compaixão para conosco. E, por isso, não dupliquemos nosso mal; não façamos de um, dois demônios, quando os perversos e ímpios nos perseguirem injustamente. Mas lutemos a fim de abrandar seus corações e aplacar a malícia que direcionam contra nós. Se agirmos assim, é certo que, mesmo que por algum tempo sejamos atingidos por angústia extrema, contudo no fim Deus nos engrandecerá, e então teremos sobejo motivo para bendizer seu santo nome com bocas cheias.
Oração Agora, porém, curvemo-nos diante da majestade de nosso bom Deus, em reconhecimento de nossos pecados, orando para que lhe apraza fazer-nos senti-los, a fim de aprendermos a sentir desprazer em praticá-los, e para que aprendamos mais e mais a nos conformarmos à sua santa vontade, renunciando a nós mesmos. E que de tal modo se lhe apraza suportar-nos em nossas fraquezas e vícios, que não os cultivemos mais, senão que mais e mais ele nos purifique até que nos tenhamos despido de todas as afeições carnais e nos revistamos de novo com os afetos de seu Santo Espírito; para que, assim, nos comportemos para com os homens que, o que quer que doravante nos suceda, não cessemos de ser ponderados e humildes. E, quando formos oprimidos, nem por isso deixemos de ser corajosos, sempre nos submetendo àquele que é poderoso para nos socorrer; e que ele manifeste esta graça não só a nós, mas também a todos os povos e nações da terra etc. |
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About Sermões Sobre Eleição e ReprovaçãoEsta coletânea de sermões a partir do livro de Gênesis lida com um tema glorioso que, ao longo das eras, tem sido por vezes mal interpretado e ignorado da maneira mais injusta, e, na maioria dos casos, vergonhosamente negado e combatido. Calvino conduz o leitor destes sermões ao entendimento correto dessa doutrina profunda, fazendo com que encare a verdade bíblica da soberania do Criador e compreenda que Deus é Deus, de modo que não precisa apresentar justificativas ao homem nem lhe explicar o poder que o Oleiro tem sobre o barro, quando molda, para desonra, os vasos de ira preparados para a destruição. Embora nem todos os sermões tratem explicitamente sobre a predestinação, todos eles são profundamente doutrinários e práticos. Ao longo de todas as exposições, assim como em toda a teologia de Calvino, encontra-se o tema que perpassa todas as coisas: a soberania do Deus e Pai de Jesus Cristo. Esta soberania é o propósito e poder divinos governando todas as coisas que acontecem, a desobediência do réprobo e, de igual modo, a obediência do eleito, tudo para a glória de Deus na salvação da igreja de Jesus Cristo. Seguindo o apóstolo Paulo em Romanos 9, João Calvino via na história inspirada de Jacó e Esaú a revelação da predestinação eterna de certos indivíduos para a salvação, e de outros para a danação eterna. |
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