The Future of Bible Study Is Here.
Sign in or register for a free account to set your preferred Bible and rate books.
SEXTO SERMÃO: Gênesis 26.1–5
Sobrevindo fome à terra, além da primeira havida nos dias de Abraão, foi Isaque a Gerar, avistar-se com Abimeleque, rei dos filisteus. Apareceu-lhe o Senhor e disse: Não desças ao Egito. Fica na terra que eu te disser; habita nela, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti e a tua descendência darei todas estas terras e confirmarei o juramento que fiz a Abraão, teu pai. Multiplicarei tua descendência como as estrelas dos céus e lhe darei todas estas terras. Em tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra; porque Abraão obedeceu a minha palavra e guardou meus mandados, meus preceitos, meus estatutos e minhas leis.
Vimos ontem como Jacó renunciou sua refeição por um benefício espiritual que Deus lhe havia prometido; e nesse fato transparece que ele preocupou-se mais com sua alma do que com seu corpo. Aqui temos um exemplo, se bem que não totalmente como no caso de Isaque, seu pai, contudo bem semelhante a ele. Pois vemos como Isaque levou mais em conta a herança espiritual do que tudo o que diz respeito a esta vida quebradiça e fugaz. Ele foi oprimido pela fome, é verdade, mas isso não facilitou sua descida ao Egito. Mas, quando foi liberado por uma ordem expressa, esse foi o sinal de que sua coragem apontava naquela direção; visto que sua comodidade também o impelia, Deus susta sua viagem, e ele obedece. Vemos, pois, que Isaque não abandonou apenas um prato de ensopado, mas, visto que podia suportar muitas aflições pelo espaço de alguns anos, assim mesmo ele se conteve e não buscou refúgio no Egito; permaneceu na terra de Gerar, a qual, especialmente, não pôde escapar totalmente à pobreza, por ser parte daquele país. Pois é impossível que, quando a fome entra em cena, os lugares adjacentes e próximos não sejam também afetados por ela. Pode-se deduzir facilmente que então não havia escassez no Egito.
De modo que Isaque, aqui, nos mostra que, mesmo quando as tentações forem grandes, se nos virmos destituídos do que é necessário para nossa manutenção, ainda assim devemos sujeitar-nos sempre à vontade de Deus; porque é preferível esquecer todas as nossas comodidades, e preparar-nos pacientemente para sofrer toda privação e necessidade, do que buscar nossas comodidades, por assim dizer, contrariando a vontade de Deus. Este é o primeiro ponto que temos de focalizar nesta história.
E então lemos: “Sobrevindo fome à terra, além da primeira havida nos dias de Abraão”. Pois houve duas que Moisés já nos trouxe à memória. Tão logo Abraão chegou na terra de Canaã, e já se prepara para partir; e isto foi para ele um mui duro combate, visto que Deus lhe havia mostrado aquela terra, e que se produzira nele profundo júbilo por ele haver tomado posse dela; e agora, logo depois, tinha que ir embora, e se torna, por assim dizer, um pobre vagabundo, e desce para o Egito, por não encontrar em parte alguma qualquer socorro. Pela segunda vez, retira-se também para a terra dos filisteus, a qual fazia parte do mesmo país que lhe fora prometido, e sob o rei de Gerar; não aquele de quem agora se faz menção, pois todos o chamam Abimeleque, que significa “meu pai, o rei”, e este era não só um título honroso, mas era também uma expressão de que os reis não governavam com tirania, nem devoravam seus súditos, mas que tinham um cuidado paternal sobre aqueles que Deus confiava à sua responsabilidade.
Ao lermos, pois, que esta fome sobreveio como as outras, isto visa a mostrar-nos claramente como Deus provava a fé e constância de Abraão; assim também ele chamaria seu filho para uma prova semelhante. Pois, como Isaque era o herdeiro da promessa, assim também seria preciso que ele sucedesse a seu pai naquilo que foi prometido aos filhos de Deus. Pois temos de mostrar, pelo efeito, que estimamos tanto os benefícios celestiais, para os quais Deus nos chamou, que peregrinamos pelo mundo, e não desfalecemos, muito embora sejamos afligidos de diversas e variadas formas. Notemos, pois, que propósito Moisés tinha em mente quando compara estas duas fomes, a saber, para mostrar-nos que, quando Abraão foi tentado, isso se deu não só por sua causa, mas também por causa de alguém que seria semelhante a ele. Mas, pelo mesmo propósito somos chamados filhos de Abraão e de Isaque. Convém, pois, que nossa fé seja examinada, como bem aprouver a Deus.
É bem verdade que nos sentiremos mui confusos, e isso se deve ao fato de não termos recebido tão grande medida de força. Notemos, pois, a causa por que Deus suporta nossa debilidade; no entanto, isso não se dá para que nossa fé seja ociosa. Assim, pois, aqui somos advertidos pelo Espírito de Deus que, estando neste mundo, devemos sujeitar-nos a muitas misérias, e que não possuiremos um paraíso terreno com o fim de satisfazer todos os nossos desejos e assim vivermos tão satisfeitos, que de nada teremos falta; senão que às vezes é como se Deus nos esquecesse; como se tirasse de nossas mãos o pão, e vivêssemos em tal situação, como se fôssemos condenados a perecer. Quando isso nos ocorrer, não pensemos ser algo estranho, nem nos portemos como jovens inexperientes; mas que todos nós pensemos de antemão naquilo que pode nos sobrevir, e assim vivermos preparados para enfrentar todas as coisas pacientemente. A promessa é dirigida aos fiéis: “Os leõezinhos sofrem necessidade e passam fome, porém aos que buscam o Senhor bem nenhum lhes faltará” [Sl 34.10]. E ainda noutro lugar: “Vinde, ouvi, todos vós que temeis a Deus, e vos contarei o que tem ele feito por minha alma” [Sl 66.16].
Mas isso não é razão para entendermos estes textos como se Deus engordasse os seus e lhes desse tudo quanto desejam, e sim que ele os nutre de outra maneira. E quando fala que ele os satisfaz, não significa que sempre empanturrará seus ventres com comidas exóticas. Mas é preciso que recorramos ainda às palavras do Salmo: “Abençoarei com abundância seu mantimento e de pão fartarei seus pobres” [Sl 132.15].
Notemos bem, aqui, certo tipo de contradição, quando Deus diz que fartará de pão os de sua Igreja, e ainda assim os chama de pobres e necessitados. Se são pobres e necessitados, onde está a promessa de Deus, que os fartaria de pão e de todas as boas coisas? Temos, porém, que conciliar aquilo que parece discordante, de maneira que dependamos sempre da providência de Deus para sermos, por assim dizer, nutridos por ele. Entrementes, se ele permitir que suportemos fome e sede, que isso não nos faça renunciar à esperança, e que ele seja nosso bom Pai a sustentar-nos. E esta é a razão pela qual oramos por nosso pão diário.
Ora, isto se opõe a todas aquelas provisões nas quais os filhos do mundo depositam sua confiança; pois nunca se satisfazem a menos que digam: “transbordem nossos celeiros, atulhados de toda sorte de provisões; que nossos rebanhos produzam a milhares e a dezenas de milhares, em nossos campos”, é o que lemos noutro Salmo [Sl 144.13]. E, além disso, quando se veem bem supridos, desprezam a Deus, como se não corressem mais riscos, segundo pensam. Mas, por outro lado, ainda quando os fiéis não tenham com que nutrir-se, contudo a cada dia abrem suas bocas como se Deus lhe introduzisse pão aos nacos; e, quando não têm nada, mesmo assim continuam confiando sempre nele e em sua bondade, e esperam que ele os sustente com um miolo de pão, e isso quando bem lhe aprouver; ou, melhor, a despeito de não perceberem de que maneira o pão lhes virá, mesmo assim creem que Deus achará um meio de sustentá-los.
Quando, pois, lemos que Isaque foi expulso [da terra] pela fome, é como se Deus nos declarasse que, quando cairmos em pobreza e necessidade, não devemos concluir que por isso somos abandonados por ele, nem o tomemos como um sinal de que ele nos odeia; ou, melhor, não imaginemos que ele nem sequer pensa em nós; senão que, como nosso pai Isaque suportou fome e sede constantemente, e no fim experimentou que Deus cuidava dele continuamente, assim nós, da mesma forma, tenhamos o mesmo reconhecimento. Note-se bem isto como uma lição especial. E isso é também o que Paulo nos mostra em Romanos, quando diz: “Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?” [Rm 8.35].
Paulo aí luta em nome de todos os fiéis, assim mostrando que, caso Deus suprima nossos bocados, nos veremos privados de toda nutrição, como se, dessa forma, nos excluísse de todos os benefícios que criou no mundo, como se fôssemos dignos de viver sobre a terra. Todavia, devemos vencer esta tentação aí, e concluir, ainda que seja no meio da fome, que Deus será nosso Pai, e que nos contentemos com isto, regozijando-nos em nossas aflições.
Mas, no ínterim, somos também exortados pelo exemplo de Isaque a não nos entristecermos nem nos envergonharmos com a fome, nem com quaisquer outras formas de aflições que tendam a fazer-nos esquecer de Deus, ou afastar-nos da vereda na qual ele nos pôs a andar. Pois, como já vimos, Jacó renunciou sua refeição a fim de aspirar àquela herança espiritual que lhe fora prometida. Assim, agora também vemos que Isaque não levou em conta o fato de que pudesse sofrer naquele período de tempo. Ele percebeu que o Egito seria um bom refúgio, não obstante esquivou-se dele. E por que fez isso? Porque Deus o proibiu de ir para lá. Assim, pois, percebemos que Isaque não se deixou vencer pela fome, obedeceu a Deus e não se esquivou de ser guiado por sua mão. Temos de aprender ainda deste fato que, quando nosso Senhor nos aflige com pobreza e carência, não recorramos a meios ilícitos a fim de que nossa necessidade seja aplacada. E, acima de tudo, se Satanás puser diante de nós seus engodos com o fim de atrair-nos, que prefiramos morrer de fome (caso seja necessário) do que esquivar-nos da condução divina, visto que não podemos ser sustentados de outra forma senão por suas bênçãos. Pois quando tivermos todo o pão e carnes do mundo, é evidente que o vento nos será tão proveitoso para nosso sustento quanto estes, e cremos que estamos crescendo, e no entanto não estamos sendo substancialmente alimentados. Lemos de Moisés: “Ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conhecias, nem teus pais o conheciam, para te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor viverá o homem” [Dt 8.3].
Ora, por esta palavra ele não tem em mente a doutrina da salvação, e sim aquela mesma virtude que Deus difunde em todas as suas criaturas. Assinala, pois, o que é que nos nutre. Falo não só com respeito à alma, mas também com respeito a esta vida fugaz. Ora, já que isso é assim, cuidemos para que não sejamos alimentados por aquilo que o diabo puser diante de nossos olhos, quando estivermos enfrentando necessidade. E podes fazer isso? És capaz de escapar daí e contar com algum auxílio desse gênero? Sim, se isto for contrário à vontade de Deus, que permaneçamos sempre firmes, e que esperemos até que ele se mostre compassivo para conosco; já que ele é quem conhece melhor o meio, mesmo quando nos seja desconhecido. É verdade que não teremos aquelas revelações que nosso pai Isaque recebeu; Deus não se nos manifestará do céu. Mas isto deve ser-nos suficiente: que hoje a vontade de Deus nos é indubitável, pois ele tem suprido aquilo que faltava a nossos antigos pais, quando lhes aparecia; hoje temos a lei, a qual é para nós uma regra infalível; temos os profetas que, para nós, são expositores dela, para que a carência dela não nos deixasse no escuro; temos sua mais plena perfeição no evangelho. Visto que Deus então nos revelou aquilo que nos é proveitoso conhecer, não devemos desejar visões atuais, mas, sempre que enfrentarmos alguma perplexidade ou dúvida, que então recorramos às Escrituras. E, quando ponderarmos sobre os meios, indaguemos se os mesmos nos são permitidos, e se Deus nos faz concessão deles. E, quando descobrirmos que os meios que vierem à nossa mente não se harmonizam com a vontade de Deus, como se acha contida na lei e no evangelho, que então abandonemos tudo. Isso indica como temos de seguir nosso pai Isaque; sim, a fim de vencermos esta tentação que é por demais pesada e incômoda; ou, seja, quando nada tivermos com que alimentar-nos e saciar-nos, além de uma porção bem pequena. Pois às vezes encontramos crentes que possuem trinta vezes mais do que lhes é necessário; da mesma forma encontraremos pessoas pródigas e dissolutas que gastam e desperdiçam todos os benefícios divinos; sim, e ainda os usam para fazer dano. Mas, o que dizer dos pobres fiéis? Tendo perambulado em busca da manutenção da vida, contudo no fim raramente descobrem como ganhar seu pão.
Quando, pois, vemos que Deus às vezes prova assim aqueles que são seus, então que cada um esteja preparado para isso, e não nos sintamos embaraçados, ainda quando nosso Senhor nos tratar com tal rigor e severidade. Não obstante, isso não invalida aquilo que ele nos prometeu, nem o impede de nos manter por seus filhos; e reconheçamos que lhe pertence o ofício de nos apascentar e prover nosso pão, e que realmente ele fará isso, ainda quando não o faça em conformidade com nossos desejos e fantasias. E, além do mais, quando virmos que Deus não nos propicia escape, que a fome nos impele (como se diz) de porta em porta, saibamos que ele nos tolera assim por razão de nossa fraqueza. Esta é a suma do que temos de aprender concernente ao exemplo de Isaque. Aqui, porém, é possível que se indague: “Por que Deus permitiu que nosso pai Abraão descesse ao Egito e agora proíbe que Isaque faça o mesmo?”. Mas, concernente a isto, devemos notar que Deus bem sabe quem somos, e qual é nossa força. E, acerca disto, Paulo usa estes termos: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além de vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” [1Co 10.13].
Deus, pois, conhece aquilo que ele mesmo nos impôs, pois aquilo que resta aí da natureza, tende sempre a destruir-nos; mas, quando ele nos dá algum poder de seu Espírito Santo, ele sabe se é uma pequena ou grande porção. E, de acordo com isto, ele exercita ainda nossa fé e nossa paciência; e, quando percebe que somos fracos, ele nos abandona para sermos tentados de maneira violenta. Note-se, pois, como isso sucede, e esta diversidade que aqui se estabelece entre Abraão e Isaque visa a mostrar que os fiéis nem sempre serão tratados por Deus da mesma forma, pela razão que já mencionei.
Isaque era o sucessor de Abraão, que recebeu a promessa, e no fato de ser ele provado e examinado por diversas aflições, evidentemente se vê que Deus o fez passar por uma e a mesma vereda; mas, mesmo assim (como eu já disse), não se segue que ele tivesse uma e a mesma regra em todos os pontos. Pois nosso Senhor suporta a quem ele quer, e quando permite que os homens sejam tratados mais duramente, passo a passo ele também os fortalece e os reanima.
Abraão não se esqueceu de regressar ao país de Canaã, após haver habitado no Egito; mas Deus também o arranca de lá, como se o conduzisse pela mão. Pois poderia ter permanecido por muito tempo ali, visto que ali se tornara rico. No entanto, poderia ter sido odiado pelos habitantes; e por isso Deus o tira de lá, o que poderia ter feito também com Isaque, porém não devemos impor-lhe uma lei.
Se aqui alguém replicar, dizendo que Deus não poderia ter dado também a Isaque uma constância invencível, para que ele não se acomodasse lá, e também não poderia tê-lo feito regressar. Sim, é possível, mas o teríamos obrigado a isso. Compete-nos que nos governemos segundo sua infinita sabedoria, e não segundo nossos tolos sonhos e fantasias. Então, notemos bem que, quando há tal diversidade nas provações dos fiéis, isso se dá porque Deus sabe o que cada um é capaz de suportar. E recorramos sempre a esta sentença de Paulo: “Que esperemos nele”, se ele nos sonda, se nos põe no campo de batalha, se nos testa com muitas tristezas, não obstante fará provisão para isso, a fim de não sermos totalmente vencidos ou derrotados.
Note-se, pois, que Isaque foi proibido de descer ao Egito. Ora, foi-lhe dito: “habita nela, e serei contigo e te abençoarei; porque a ti e a tua descendência darei todas estas terras e confirmarei o juramento que fiz a Abraão teu pai” [v. 3]. Equivale dizer que ele multiplicaria sua descendência como as estrelas do céu, e que em sua descendência todas as nações da terra seriam abençoadas. Aqui vemos por que Deus não permitiu que Isaque descesse ao Egito, a saber, para que ele não esquecesse a promessa que lhe fora feita concernente à terra de Canaã, e também para que vivesse contente nela e fizesse dela seu lugar de repouso. Ora, se Isaque, que era tão excelente na fé, como já vimos em toda sua vida, e sobre quem o Espírito Santo dera tal testemunho, teve a necessidade de ser tão refreado, o que seria de nós? Ainda assim não devemos maravilhar-nos se nosso Senhor às vezes nos mantém, por assim dizer, acorrentados, e que não nos dá liberdade de perambular aqui e ali, porquanto ele sabe que isto nos lançaria em completa confusão. Assim, visto que temos uma memória tão fugidia, visto que nada deve conduzir-nos ao extravio, a ponto de já não sabermos se caminhamos pelo caminho certo, esta é a causa de nosso Senhor não nos conceder grande liberdade como gostaríamos. E também, na medida em que formos mantidos dentro dos limites mais estreitos do que deseja nossa fantasia, saibamos que, se nosso pai Isaque tivesse tal necessidade disso, nós, por maior razão que tivéssemos, inutilmente chegaríamos tão perto de tal excelência da virtude dele, temos maior necessidade.
Ora, entrementes vemos que em Isaque, que antes do tempo foi declarado estar em Abraão, Deus declara que lhe daria todas aquelas nações que ora contempla, e no meio das quais peregrinava; sim, não obstante declara: “Habitarás ali como estrangeiro”. Percebem-se duas coisas, as quais, contudo, parecem opostas. Pois se Deus lhe daria a terra por possessão, por que não se apressa em possuí-la? Por que lhe permitiu extenuar-se tanto? Mas, não há dúvida quanto ao pretérito, e sim quanto ao futuro: “Habitarás ali”. Sim, e a palavra que Moisés usa significa habitar, por assim dizer, num país estranho, um país que ainda era remoto. Eis, pois, Isaque que já mantinha o senhorio sobre a terra, e no entanto ainda não possuía sequer um palmo dela, mas que permaneceria ali por consentimento, e estaria sujeito a muitos trabalhos e provas, os quais pendiam sobre ele. E no entanto ele não possuía sequer um palmo de terra, a não ser a menção que se faz da parte dela comprada a dinheiro.
Em suma, aqui temos de deduzir que Deus queria que Isaque repousasse totalmente em sua palavra, como também ela é o fundamento sobre o qual devemos edificar todos os dias de nossa vida, sim, até que a morte chegue. Pois se já possuíssemos tudo quanto desejamos, que necessidade teríamos ainda de fé ou esperança? Convém, pois, que os benefícios que aguardamos da parte de Deus, os quais ele ocultou de nós, e ainda assim os visualizamos somente pela fé, e que conferimos a Deus esta honra, a saber, considerar verdadeiro tudo quanto ele falou, ainda quando não nos mostra o efeito e a veracidade de suas promessas, o que apreendemos não em conformidade com nossa razão e senso carnais. Não obstante, devemos dizer que nos é suficiente que, o que ele falou, certamente se concretizará. Quando, pois, pudermos extrair todo nosso contentamento tão-somente da palavra de Deus, então nos asseguremos de uma prova certa de tudo aquilo que protestamos crer nele; mas, se tivermos sempre um indicador, e tivermos tudo aquilo que desejamos, é indubitável que a palavra de Deus não será estimada por nós, e não podemos exercitar-nos suficientemente nesta meditação. E, portanto, na medida em que vemos que Deus tem falado a seus servos, sem que lhes exiba a concretização e execução de sua palavra, saibamos que isto nos é narrado a fim de aprendermos a invocar a Deus, quando ele nos deixar em suspense; sim, e quando desmaiarmos e formos despojados daquilo que teríamos em nossa mão; então aprendamos a dizer: “Ó Senhor, visto que temos tua promessa, não seremos frustrados em esperar por ela”.
Quando Deus promete a Isaque que estaria com ele, e que lhe daria o descanso, significa que ele tem cuidado de nós, e que pensa em nossas necessidades, e que o encontramos perto quando o invocarmos. Pois a menos que o tenhamos compassivo para conosco, ainda quando nos dê, em toda a plenitude e abundância, o que lhe pedimos, contudo isso redundaria em nada. Mas, temos de começar deste ponto, a saber, temos de estar bem persuadidos de que Deus nos ama, e que ele nos é favorável. Quando tivermos atingido isto, e decidirmos que Deus nos será sempre misericordioso e pronto a socorrer-nos assim que a necessidade o exigir, que ele jamais nos abandonará, então esperaremos tranquilamente pelo descanso. Mas, se não soubermos que ele está conosco, ou, seja, que nos fará sentir sua presença, e, ao senti-la, nos esquivarmos daqueles perigos que ora enfrentamos, e, ao nos esquivarmos, ele nos soergue quando cairmos, nos guiando quando já não houver caminho, e ali nos der uma brecha e via de escape, onde nada mais houver senão confusão; se não o tivermos atingido, repito, e não houver fundamento genuíno; e se uma vez o obtivermos, então devemos ficar aí e esperar pelo descanso. Porque, se Deus nos ama, é certo que por esse motivo ele nos socorrerá e nos ajudará em tudo, e através de tudo, e com certeza o fará. E esta é a razão por que Moisés começa neste ponto: “Eu estarei contigo”. E, mais adiante, ele diz: “Multiplicarei tua descendência como as estrelas dos céus, e lhe darei todas estas terras. Em tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra” [v. 4].
É bem verdade que os benefícios que Deus nos outorga nem sempre satisfarão nossos desejos, como já declaramos. Pois amiúde teremos falta deles, a fim de que sejamos ainda mais ávidos a orar; e também ele nos provará, e nos mostrará que não temos nele aquela confiança que deveríamos ter; e nossa ingratidão muitas vezes nos priva daquilo que ele de outro modo estaria pronto a conceder-nos. Pois nem sempre somos capazes de receber o que ele nos oferece. Ele tem uma mão aberta, porém temos uma boca fechada; ou, seja, somos fechados pela descrença e desconfiança. E por isso percebemos a razão por que temos tão amiúde de esperar; mas de tal modo está aí que, se decidirmos neste ponto, ele estaria conosco e seríamos abençoados por ele naquilo que bem sabemos nos seria conveniente, e nada nos faltará.
No tocante a esta promessa, que todas as nações da terra seriam abençoadas na descendência de Isaque, era algo especial como o foi para Abraão, e diz respeito a nosso Senhor Jesus Cristo como já foi exposto. Pois era necessário que Jesus Cristo fosse a fonte desta bênção, a qual fluiria de toda a linhagem de Abraão. É bem verdade que os fiéis que descenderam dele foram abençoados e participantes desta promessa, mas isto se deu pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, pois, se ele fosse separado da descendência de Abraão, é indubitável que teria sido estéril e árido, sem possuir sequer uma gota de bênção. Hoje, porém, visto que Deus quer, por sua infinita bondade, que seu Filho unigênito nos pertença; fomos unidos aos verdadeiros filhos naturais de Abraão; e, não importa que procedamos das nações da terra, que então estavam separadas da Igreja de Deus, e que estavam totalmente alienadas dela, contudo hoje somos abençoados da mesma forma que eles. Pois se lhe foi dito, “Eu abençoarei tua descendência”, e Deus nada mais adicionasse, isto nos seria hoje um paupérrimo conforto. Mas, ao dizer, “todas as nações da terra serão abençoadas” na descendência de Abraão, então fazemos parte de seu número.
Notemos, pois, em que temos especialmente de regozijar-nos, sabendo que, depois que nosso Senhor Jesus Cristo se nos manifestou, esta promessa se aplica a nós. É verdade que às vezes lemos na Santa Escritura que os homens serão abençoados pelos homens, como, por exemplo, quando se puserem diante deles por padrão e exemplar; e que os homens dirão, desejando ser abençoados: “Oh, que Deus me faça o que ele fez a este homem, ou àquele”. Mas a interpretação de Paulo nos mostra que aquilo que foi falado, respectivamente, a Abraão e a Isaque, deve ser entendido não só nesse sentido, mas em outro lugar lemos que os fiéis serão abençoados em Deus. E assim lemos aqui que serão abençoados na descendência de Abraão. No entanto, temos de buscar todo nosso bem e salvação tão-somente nele, “que é sua fonte”, como lemos no Salmo 36 [Sl 36.9]. Mas, como existe tão grande distância, e que não podemos pairar em altura tão imensa, nosso Cristo Salvador se aproximou ao máximo de nós, e temos nele as águas vivas; onde não há falta de nada, e onde nos achegamos para beber, como ele mesmo disse: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” [Mt 11.28]. E mais: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, de seu interior fluirão rios de água viva” [Jo 7.37, 38]. Sim, fontes de águas vivas, de modo que as dê a outros.
Quando, pois, percebemos que Deus, de modo bem familiar, nos comunicará todos os seus benefícios na pessoa de seu Filho unigênito, tanto menos escusa haverá se não viermos a fim de receber parte desta bênção que nos é provida. Além disso, lemos não só que todas as nações da terra seriam abençoadas, porém lemos ainda que elas são abençoadas; não porque por nós mesmos possamos alcançar ou obter esta bênção, ou porque tenhamos poder e diligência para isso; mas cumpre que todos sejam abençoados em Jesus Cristo, e isso mediante a fé. Pois é justamente assim que ele nos é apresentado no evangelho, e é justamente assim que devemos aceitá-lo; e, se permanecermos incrédulos, isto se deve ao fato de fecharmos a porta, por assim dizer, a todas as graças. Visto, pois, que assim Deus nos preparou com tanta antecedência, que a salvação nos pertencesse, e que Jesus Cristo se manifestou “na plenitude do tempo” (no dizer de Paulo, Gl 4.4) e testificou suficientemente que ele era aquela bendita semente da qual buscamos todos os benefícios. Sendo assim, acheguemo-nos com semelhante prontidão de fé, com tal zelo, que não fechemos a porta, movidos por nossa própria malícia e incredulidade, para que Deus não concretize aquilo que é aqui pronunciado: que não nos achegamos a ele para termos a ratificação de sua promessa. Atentemos bem, repito, para que ninguém se exclua por sua própria falha e vício.
Finalmente, lemos “porque Abraão obedeceu a minha palavra e guardou meus mandados, meus preceitos, meus estatutos e minhas leis”. Aqui, o juramento é ainda reiterado para maior e mais segura confirmação de todos nós. Pois não podemos pôr alguma fé em Deus, a menos que intrepidamente lutemos contra a desconfiança, à qual somos tão naturalmente inclinados, e porque somos ainda tão instáveis quanto deploráveis. Por esta causa, Deus jura tanto mais para infundir-nos confiança. Mas é verdade (como já se mostrou previamente) que isto nos é digno de grande opróbrio: o fato de constrangermos a Deus a jurar. Pois não honramos um homem mortal se não nos contentamos com a simples palavra que ele pronuncia, se não o considerarmos como um homem honesto, nos contentando com aquilo que ele nos prometeu. Mas, ao declararmos: “Eu quero que você faça um juramento de que fará assim”, este é um forte sinal de desconfiança, e não será bem recebido entre os homens. Mas se, a despeito de tudo isso, desonrarmos a Deus, requerendo dele um juramento, em adição à sua palavra, porventura tal atitude não seria por demais infame? Mas, se suceder que Deus, não obstante, aja assim por compaixão de nós, ainda quando tal coisa seja um vício intolerável de nossa parte, ou, seja, que ainda queiramos que ele jure, além do que já havia pronunciado, nesse aspecto ele se acomoda a nós. O que mais podemos exigir?
E, então, que escusa haverá quando ainda dissermos que suas promessas nos seriam asseguradas por meio de outro? Portanto, esta palavra de juramento deveria traspassar-nos o próprio coração, sempre que ela apresentar-se ante nossos olhos; sim, e quando houver alguma dúvida quanto à certeza do beneplácito divino e daquele singular amor que ele tem para conosco. Mas, aproximemo-nos daquele ponto onde lemos que isso aconteceu porque Abraão obedeceu à voz de Deus. Aqui pareceria que Deus atribuiu a concretização desta promessa à virtude de Abraão e a seus méritos. Mas já declaramos que tal coisa não poderia ser, nem deve ser assim entendida, como se a obediência que Abraão rendeu a Deus fosse a causa pela qual este se viu obrigado a fazer o que havia falado. Pois já mostramos que Deus era totalmente livre para fazê-lo ou não. Quando Abraão foi retirado da idolatria em que se encontrava (como Josué declara, Js 24.2), o que o movera a agir assim?
Mais tarde, quando ele guardou Abraão até o fim, isso não se deu porque este o obedecesse. Pois, ao contrário, ele lhe dissera muito antes: “Eu te abençoarei; eu serei contigo; serei tua grande recompensa; tua descendência será multiplicada como as estrelas do céu, e nela serão abençoadas todas as nações da terra”. Tudo isso foi dito a Abraão antes que Isaque nascesse. E quando Abraão estava para sacrificar seu filho Isaque, lhe foi dito: “Jurei, por mim mesmo, diz o Senhor, porquanto fizeste isso e não me negaste teu único filho, que deveras te abençoarei e certamente multiplicarei tua descendência como as estrelas dos céus e como a areia na praia do mar; tua descendência possuirá a cidade de seus inimigos, nela serão benditas todas as nações da terra, porquanto obedeceste à minha voz” [Gn 22.16–18]. Vemos, pois, que aquilo que é espontâneo em Deus, e aquilo que ele nos dá de sua mera liberalidade, ele atribui ao serviço que lhe é prestado; não para propiciar-nos algum motivo de orgulho, mas tão-somente para sermos ainda mais provocados e estimulados a servi-lo com entusiasmo e bom ânimo. Note-se, pois, que o propósito de Deus não é para que ele seja esbulhado do louvor que lhe é devido, para que os homens o usurpem, mas é porque ele bem sabia que necessitavam de acicates e tinham de ser corroborados e ajudados a servi-lo, pois do contrário seriam insensíveis e obtusos.
Portanto, aqueles que buscam aqui méritos [humanos], e obscurecem o mero louvor da bondade divina com o fim de exaltar os homens, como se estes fossem a causa de sua própria salvação, é evidente que estão a subverter todas as coisas, sim, a subverter o próprio propósito de Deus, o quanto possam. Da mesma maneira, aprendamos que, ao dizer que Deus estabeleceria sua aliança com Isaque, visto que Abraão obedeceu a sua voz, isso não visava a realçar a causa, mas simplesmente a mostrar que o serviço que Abraão lhe rendeu lhe foi aceitável, para que Isaque o seguisse e se confirmasse nele. Pelo presente, pois, temos que estimular-nos sempre que sentirmos em nós mesmos alguma lentidão, e quando não nos sentirmos tão dispostos como se esperava a render-lhe mais plena obediência. E qual seria nossa conclusão? Afirma-se que quando o obedecemos ele aceitará isto “como um sacrifício de cheiro suave”; e assim mesmo tudo quanto fizermos nada será, não haverá em nós força alguma; não obstante, se Deus nos honrar assim, sem qualquer dignidade de nossa parte, seríamos, pois, indolentes sem empregarmos totalmente todas as nossas faculdades em seu serviço, especialmente em conformidade com aquela graça que ele nos tiver dado e segundo nossa força? E ainda sem que todos se comprometam ou façam com ele aliança?
Note-se, pois, como os fiéis devem ser provocados; e que isto visa também a ensinar-nos sempre a seguir em frente, caminhando em temor e prudência, quando nosso Senhor nos mostrar que aqueles a quem ele chamou às vezes se fazem ou se revelam indignos de sua vocação. Portanto, para que não o desprezemos, e para que estejamos prontos a receber aquilo que ele nos ensina, observa-se por que se diz que ele recompensa nossos serviços; não porque mereçamos algum galardão. Pois (como eu já disse) aqui não devemos arrazoar com base naquilo que podemos fazer. Porquanto não podemos fazer absolutamente nada; e especialmente que o que temos feito pela graça de Deus não merece galardão; porquanto Deus pode condená-lo com justiça. Mas a questão é se Deus aceita o que fazemos com base em sua mera liberalidade, com o fim de nos imprimir mais disposição otimista. E todos devem aplicar isto para seu proveito, quando sentimos, por nossa negligência e indolência, que somos morosos em fazer o bem. Eis, pois, sucintamente o que temos de aprender aqui.
Ora, ao lermos que Abraão obedeceu à voz de Deus, isto visa a mostrar-nos a verdadeira regra de como viver bem, com o fim de que ninguém invente para si devoções isoladas, como somos propensos a fazer. Pois quando os homens servem a Deus, o que realmente fazem? Tomam a liberdade de viver segundo sua própria imaginação, e desprezam tudo quanto Deus ordena. Que nome os homens poderão dar ao serviço de Deus no papado? O que os homens costumem inventar de seu próprio cérebro imbecil. Pois quando os homens tiverem diligentemente reunido todos os seus malabarismos, com os quais se divertem, se lemos que Deus é bem servido e honrado, e no entanto nada fazem de tudo quanto Deus ordenou, e que o desprezam, daí sucede que ele mesmo se queixa de que os homens, em virtude de suas tradições, rejeitam o que lhes fora ordenado.
Visto, pois, que somos por demais inclinados a estabelecer nossas próprias imaginações imbecis, aprendamos que, quando a Santa Escritura nos fala de viver bem e de modo santo, quando ela fala da perfeição que Deus aprova, que é obediência à sua voz, ela também nos mostra, por seu profeta: “Porventura vos ordenei oferecer-me algum sacrifício?” [Jr 7.21]. Ora, é mui certo que Deus o requer. Por que, pois, ele faz tal pergunta? Ele faz isso para mostrar-nos que Deus não repousa nisso. Então, onde? “Em que obedeceis à minha voz” [Jr 7.23], diz ele. Observe-se, pois, o ponto primordial e onde devemos começar, e qual é também o fim pelo qual devemos lutar e contender, ou, seja, que Deus tem autoridade para governar-nos, e que sejamos seus súditos. Mas, é bem provável que achemos estranho que aqui se afirme que Abraão guardava os mandamentos, estatutos, ordenanças e leis do Senhor, quando na verdade ele não possuía por escrito sequer uma palavra de toda a lei. Pois sabemos quanto tempo transcorreu entre a vocação de Abraão e a lei, isto é, quatrocentos e trinta anos. Como é possível que agora Deus exija que Abraão guarde seus mandamentos, estatutos, ordenanças e leis? Isto é, como já vimos previamente no capítulo 18, pois ainda quando não possuísse nada escrito, contudo Abraão não era ignorante sobre o que Deus mais tarde ensinaria a seu povo. Pois ele governou seu povo de duas maneiras, no entanto isso não se deu porque, com respeito a si próprio, ele fosse mutável. Deus, pois, nem sempre tinha uma e a mesma maneira de ensinar os fiéis; mas, seja como for, a regra era uma só: fosse ela escrita, ou inspirada, a alguém que reservara para si. Portanto, não importa se Abraão ainda não possuía a lei escrita, pois ele tinha instrução suficiente para saber que devia servir a Deus. Isto, pois, é o que devemos aprender neste lugar.
Mas, seja como for, Deus, entrementes, mostra que, se estivermos prontos a obedecer-lhe e a viver sujeitos a ele, de sua parte ele jamais deixará de mostrar-nos o caminho por onde devemos andar, e, caminhando por ele, jamais seremos enganados. Mas se antes de existir qualquer escritura Abraão já possuía estatutos, mandamentos, leis e ordenanças, hoje, por uma razão mais estranha, quando Deus já declarou, por meio de Moisés, de maneira tão familiar, a quem mais tarde associou aos profetas, com o fim de que houvesse mais fácil entendimento da lei, e visto que, de maneira ainda mais clara, no evangelho, ainda duvidaríamos que ele não exerça o ofício de bom Mestre a fim de mostrar-nos tudo quanto é bom, justo e reto? E por quê? Porque a ingratidão do mundo é de tal natureza, que este jamais se submeterá nem acatará suas ordens; e isto se dá porque os homens desejam ser mais sábios do que lhes é permitido, e gostariam de ser, eles mesmos, a própria fonte da sabedoria, como se jamais fosse dito: “Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém” [1Tm 1.17].
Quando Paulo diz que Deus é o único sábio, ele diz isso não só em relação a si próprio, e sim com o fim de que busquemos nele toda a sabedoria. Pois quando não aceitarmos isto como a única regra que ele nos dá, é como se ele dissesse: “Deus não tinha ciência de tudo o que nos era necessário, por isso devemos inventar de nosso próprio cérebro algo mais; e diz que isto seria melhor”. Que blasfêmia isto seria! Oh, quando servimos a Deus desta maneira, é como se alguém mandasse que se cuspisse no rosto dele. Assim, pois, notemos que, quando Moisés, após haver falado da voz de Deus, acrescenta seus mandamentos, seus estatutos e suas ordenanças, com o fim de mostrar-nos que Deus jamais falhará em indicar algo a todos quantos forem seus discípulos, e for ordenado por ele, e ouçam sua voz. E deveras isso sucede não só neste lugar, nem naquele que viermos a mencionar, mas, por assim dizer, em todos os demais onde nosso Senhor nos recomendar sua lei e nos mostrar que ela contém tudo quanto se faz necessário para conduzir os homens ao caminho certo da salvação. E assim muito diz respeito às palavras que são mencionadas neste lugar. Portanto, quando andarmos como nos convém, observemos que não existe mais que um Juiz a quem temos de prestar contas. Mas, o que de fato este Juiz ordena? Não que todos sejam conduzidos por sua própria fantasia, ou que nossas boas devoções sejam postas no lugar de sua palavra; mas que atentemos bem para a voz de nosso Deus e então que sejamos aptos a aprender a conduzir-nos em boa ordem e sujeitos a ele; e, em vez de os homens imaginarem que fizeram prodígios obrigando a Deus a si, mediante suas virtudes e méritos, que se contentem em ser aprovados diante dele e de seus anjos, ainda que o mundo não viva contente com isso.
|
About Sermões Sobre Eleição e ReprovaçãoEsta coletânea de sermões a partir do livro de Gênesis lida com um tema glorioso que, ao longo das eras, tem sido por vezes mal interpretado e ignorado da maneira mais injusta, e, na maioria dos casos, vergonhosamente negado e combatido. Calvino conduz o leitor destes sermões ao entendimento correto dessa doutrina profunda, fazendo com que encare a verdade bíblica da soberania do Criador e compreenda que Deus é Deus, de modo que não precisa apresentar justificativas ao homem nem lhe explicar o poder que o Oleiro tem sobre o barro, quando molda, para desonra, os vasos de ira preparados para a destruição. Embora nem todos os sermões tratem explicitamente sobre a predestinação, todos eles são profundamente doutrinários e práticos. Ao longo de todas as exposições, assim como em toda a teologia de Calvino, encontra-se o tema que perpassa todas as coisas: a soberania do Deus e Pai de Jesus Cristo. Esta soberania é o propósito e poder divinos governando todas as coisas que acontecem, a desobediência do réprobo e, de igual modo, a obediência do eleito, tudo para a glória de Deus na salvação da igreja de Jesus Cristo. Seguindo o apóstolo Paulo em Romanos 9, João Calvino via na história inspirada de Jacó e Esaú a revelação da predestinação eterna de certos indivíduos para a salvação, e de outros para a danação eterna. |
| Copyright |
Copyright 2019 Editora Monergismo. Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Monergismo SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620 www.editoramonergismo.com.br Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da fonte. |
| Support Info | srmssbrlrprv |
Loading…