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DÉCIMO TERCEIRO SERMÃO: Gênesis 27.29–36
Maldito seja o que te amaldiçoar, e abençoado seja o que te abençoar. Mal acabara Isaque de abençoar a Jacó, tendo este saído da presença de Isaque, seu pai, chega Esaú, seu irmão, de sua caçada. E fez também ele uma comida saborosa, a trouxe a seu pai e lhe disse: Levanta-te, meu pai, e come da caça de teu filho, para que me abençoes. Perguntou-lhe Isaque, seu pai: Quem és tu? Sou Esaú, teu filho, teu primogênito, respondeu. Então estremeceu Isaque de violenta comoção e disse: Quem é, pois, aquele que apanhou a caça e ma trouxe? Eu comi de tudo, antes que viesses, e o abençoei, e ele será abençoado. Como ouvisse Esaú tais palavras de seu pai, bradou com profundo amargor e lhe disse: Abençoa-me também a mim, meu pai! Respondeu-lhe o pai: Veio teu irmão astutamente e tomou tua bênção. Disse Esaú: Não é com razão que se chama ele Jacó? Pois já duas vezes me enganou: tirou-me o direito de primogenitura e agora usurpa a bênção que era minha. Disse ainda: Não reservaste, pois, bênção nenhuma para mim?
Ontem delongamos nesta palavra acerca da bênção que Isaque conferiu a seu filho Jacó, a saber, todo aquele que o abençoasse, seria abençoado; e todo aquele que o amaldiçoasse, seria amaldiçoado. Mas é mui certo que isto não estava no poder de qualquer homem mortal, porquanto pertencia a Deus punir os que praticassem males contra seus filhos; e, além disso, nos é proibido buscar vingança; não está em nosso poder que nossos inimigos recebam sua recompensa. Ora, pois, é mui certo que Isaque, aqui, pronunciou a sentença de Deus, e que ele não falava em seu próprio nome, senão que fora autorizado na qualidade de profeta. E deveras já vimos que isto foi pronunciado pela boca de Deus a Abraão, no capítulo 12: “e de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção. Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem” [Gn 12.2, 3].
Deus reservou isto para si mesmo. Ora, pois, como é que Isaque presume falar como se fosse Deus, a não ser porque ele sabia que esta herança lhe fora deixada, e assim a designa a seu filho para que, depois de sua partida, ele fosse o sucessor dela? Vemos, pois, sucintamente, que Isaque fala neste ponto não temerariamente, ainda quando fosse detentor de muitas falhas; não obstante, ele estava fundado naquilo que Deus lhe prometera, e bem sabia que este ofício lhe havia sido confiado. E assim ele não teve dúvida em amaldiçoar todos quantos amaldiçoassem sua estirpe.
Ora, visto ser assim, esta palavra não era do homem, e sim uma sentença dada pelo poder do Espírito Santo. Temos, pois, acima de tudo, que aprender isto: se formos unidos a Jacó, pela fé, que Deus nos toma em sua custódia, sob tal condição, que todos quantos nos prejudicar, e nos fizer algum dano, estarão a lutar contra ele mesmo. Porquanto ele nos defende como se fôssemos a menino de seus olhos, como ele mesmo falou disso. E que benefício é este, a ponto de Deus assumir todas as nossas demandas, e tornar-se o inimigo de nossos inimigos, a ponto de ninguém poder erguer demasiadamente a mão contra nós para nos fazer injustiça ou violência, senão que ele daqui a pouco se põe contra os tais, como se estivessem violentando sua própria majestade? Quando, pois, Deus desce tanto, a ponto de declarar que devemos dirigir-nos a ele e permanecer nele, sempre que alguma injustiça nos for feita, o que mais deveremos desejar de melhor? Assim, pois, aprendamos a ser pacientes em todas as nossas aflições; e se formos injustamente perseguidos neste mundo, saibamos que nada escapará impunemente, senão que todos os nossos adversários terão que prestar contas. Podem por algum tempo imaginar que alcançaram tudo; mas tão certo como Deus habita o céu, sua recompensa descerá sobre suas próprias cabeças, e saberão que, ao tramarem atribular-nos e atormentar-nos, violentaram a proteção e segurança divinas.
E, além do mais, aprendamos ainda, neste lugar, a fazer o bem a todos os filhos de Deus. É verdade que não é lícito (especialmente para nós) fazer qualquer dano aos nossos inimigos, ainda quando fossem os mais perversos dentre os homens do mundo. No entanto, vemos que Deus tem seus fiéis em seu educandário, e não podem ser tocados pela extensão de um dedo; Deus, porém, se põe diante de nós como nosso escudo, e declara que amaldiçoará todos quantos nos amaldiçoarem. Temos, pois, ocasião propícia de nos abstermos de fazer qualquer injúria, e cuidar bem para que aqueles a quem ele assim recebeu para si não sejam violentados e ofendidos por nós. E, em contrapartida, quando virmos os filhos de Deus precisando de nosso auxílio e socorro, ainda quando não esperemos nenhuma recompensa de sua parte, segundo o sistema do mundo, e que não revelam possuir nenhum meio de o fazer, tampouco nos são conhecidos. Ao lermos que Deus nos abençoará, aprendamos a empregar-nos nisso, visto que nosso galardão já nos está preparado no céu, e que não podemos ficar decepcionados com ele.
Esta, pois, é a suma do que temos de aprender aqui, a saber, que atentemos bem para que não prejudiquemos àqueles a quem Deus sustentará; porque, visto que estão sob sua guarda, é certo que haveremos de prestar contas se porventura lhes fizermos algum dano. E, além do mais, esforcemo-nos sempre em fazer o bem àqueles a quem Deus nos oferece; e, visto que ele nos declara que aceitará a todos, como se fossem feitos um com sua pessoa, não concluamos que tenhamos perdido algo, ainda quando os homens a quem fazemos o bem, não sejam capazes de o retribuir; pois se forem pobres e destituídos de toda e qualquer habilidade, ou, melhor, não houver ocasião de mostrarem que não são ingratos; não obstante, saibamos que Deus recebe com sua própria mão tudo aquilo que tivermos feito, ao sustentarmos aqueles que eram destituídos e necessitados. Quando tivermos isto, repito, teremos o bastante para viver contentes. Mas se desejarmos que Deus nos abençoe, de tal sorte, antes de tudo procuremos, como eu já mencionei, ser verdadeiros filhos de Jacó, não da raça carnal, mas a da fé; e que sejamos regenerados pelo mesmo Espírito, para que tenhamos o testemunho de nossa adoção impresso em nossos corações e, por assim dizer, selado, a fim de termos plena certeza dele. E que nesta confiança clamemos a Deus. Ora, a fim de fazermos isto, temos de louvar a Cabeça de todos, a saber, nosso Senhor Jesus Cristo, o qual, no dizer de Paulo, “é Deus bendito para sempre” [Rm 9.5], quando falou de sua natureza humana, e que era descendente da estirpe de Abraão; e, não obstante, ele é Aquele que “é Deus bendito para sempre”.
Ora, temos de bendizê-lo e louvá-lo, não como fazem os homens, mas glorificando-o como ele merece. E, ademais, quando orarmos a Deus pelo avanço de seu reino, dizemos como nos é sugerido naquela oração dada pelo Espírito Santo: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino que vem, o reino de Davi, nosso pai!” [Mc 11.9, 10]. Assim, pois, esta é a forma de nos tornarmos participantes daquilo que é aqui recitado por Moisés, a saber, que Deus nutre por nós favor tão especial, e amor tão singular, que ele não só nos abençoa, mas se algum de nós fizer bem ou mal, ele o aceita como que feito a sua própria pessoa, e recompensará aos que tiverem compaixão de nós, e nos ajudar em nossa necessidade. E, além disso, ele vingará nossa causa; e, ainda quando formos pacientes em todos os erros e ultrajes que os homens fizerem contra nós, não obstante nos guardará e estenderá seu braço para castigar a todos quantos injustamente nos oprimirem.
Eis, pois, a suma da matéria concernente àquela palavra que nos foi deixada. Agora lemos: “Mal acabara Isaque de abençoar a Jacó, tendo este saído da presença de Isaque, seu pai, chega Esaú, seu irmão, de sua caçada. E fez também ele uma comida saborosa, a trouxe a seu pai e lhe disse: Levanta-te, meu pai, e come da caça de teu filho, para que me abençoes” [vv. 30, 31].
Se considerarmos aquilo que é aqui lembrado por Moisés, segundo a aparência externa, é certa que Esaú era digno de ter sido abençoado. Pois ele realizou diligentemente o que fora ordenado por seu pai; e desincumbiu-se de seu dever. Então, por que ele foi privado de sua primogenitura? Vemos, porém, no que somos amiúde enganados, ou, seja, porque consideramos aquilo que contemplamos com nossos olhos. Deus, porém, considera o certo e a verdade, no dizer de Jeremias. Assim, pois, não pensemos que Deus se sente embatucado com a aparência externa, a qual de fato é nada. E, não obstante, costumamos ficar atônitos diante dela, porquanto somos seres sensuais.
Em suma, aquilo que desfruta do mais deleitoso brilho e aparência diante dos homens, amiúde é rejeitado diante de Deus, como os pagãos dão grande apreço às suas virtudes na aparência externa que pensam ter. No entanto, devemos avançar mais, dizendo que temos de saber que Deus sonda os corações e os pensamentos secretos. Assim, um ato pode ser louvado e estimado de maneira mui sublime, e no entanto para Deus pode ser um desprazer. Pois se o afeto não for bem direcionado, nada haverá além de hipocrisia e de uma coragem dobre; ou, melhor, o fim não será bem ordenado. Pensemos no caso de um homem que se entrega à virtude e no entanto tem em si esta tola arrogância de obter reputação, para que os homens lhe batam palmas ante o critério do mundo; então ele já recebeu seu galardão; e visto ser guiado pela ambição, inevitavelmente tudo quanto ele fizer e tomar em suas mãos será rejeitado por Deus. Por que é assim? A humildade é o fundamento e raiz de todas as virtudes. Portanto, enquanto os homens buscarem o merecimento por sua própria virtude, é certo que, se fossem anjos na aparência externa, todavia, tudo quanto procede deles, nada mais é senão soberba e imundícia. Por isso, aprendamos que, quando lermos como Esaú de tal modo se comportou à nossa vista, não havendo nele nenhuma falha, e não obstante foi espezinhado, e Deus não fez dele caso algum, aprendamos, repito, a não cedermos à tola ambição de ser vistos pelos homens, e desfrutar deles bom conceito; mas que andemos em simplicidade e retidão diante de Deus, sabendo que, se o coração não for adiante, todo o serviço que porventura façamos para ele será justamente rejeitado. Notemos sucintamente o que já afirmamos concernente ao que Moisés recorda aqui no tocante à obediência que Esaú rendeu a seu pai. Ora, também há de se notar que, quando fizermos comparação entre Esaú e Jacó, descobriremos o que já foi demonstrado, a saber, que Jacó não era o preferido, senão que, pela soberana bondade de Deus, cuja razão não nos transparece aí para que Esaú saísse a caçar, que ele não mentiu, que não enganou a seu pai, nem lançou mão de falcatrua, nem de qualquer fraude, nem mesmo indiretamente; ele não fez nada desse gênero. No entanto, o que fez Jacó? Engana, mente, usa de subterfúgio e se apresenta como se fosse seu irmão Esaú; não havia nele nada senão astúcia e latrocínio concernente a esta matéria; e, mais, ele desonra a seu pai de maneira profunda, fazendo-o crer numa coisa por outra. Portanto, podemos dizer que Jacó merecia inexorável rejeição, e ser eliminado. Não obstante, Deus quis que ele possuísse a primogenitura. Sobre que fundamento tudo isto repousava, senão no eterno conselho divino, o qual jamais poderemos compreender? E por isso aprendamos a humilhar-nos, ainda quando não nos seja declarada a razão por que Deus preferiu antes aceitar a Jacó em vez de Esaú, e tomar a primogenitura do maior para dá-la ao menor. Muito embora, pois, não saibamos o que movera e induzira Deus a agir assim, contudo tenhamos como certíssimo que ele nada faz senão o que é justíssimo, porque sua vontade é a norma de toda a justiça. Ele não está sujeito a nenhuma lei, e muito menos às nossas fantasias; portanto ele faz aquelas coisas que lhe parecem ser bom para nós. Mas longe esteja que, ainda quando fôssemos capazes de disputar e alegar todas as razões que possivelmente poderíamos conceber, todavia, tão-somente a vontade de Deus sobreporá a todas as razões do mundo; e tudo quanto penetrar nosso cérebro necessariamente tem de ser destruído; como lemos que ele será sempre justificado, sim, muito embora os homens o condenem. Porque, preferivelmente, possuem este diabólico orgulho de murmurar contra aquilo que ele faz e achar algo a dizer contra tal coisa, e apresentar suas razões. Mas, quando tiverem balbuciado coisas de mexeriqueiros, o quanto possam, contudo a justiça divina permanecerá intocada; e aqueles que preferirem mais difamá-la e ladrar contra ela, permanecerão envergonhados e confusos. Portanto, há outro ponto primordial que temos de manter neste lugar.
Então lemos que Isaque perguntou previamente: “Quem és tu?”. E, ao ouvir que era Esaú, sentiu-se aturdido. Sim, e Moisés adiciona mais que ele foi tomado de temor. Se Isaque não tivesse conhecimento de quão valiosa era aquela bênção, e que ela seria confirmada por Deus, se ele não soubesse que ele fora chamado à dignidade e ofício de patriarca, que seria uma testemunha da herança da salvação, não teria se sentido perplexo. Ele teria feito o que qualquer outro costuma fazer: “Eu fui enganado por meu próprio filho”. Ele teria esbravejado contra e caçoado de Jacó; sim, e o teria amaldiçoado; e, não obstante, teria concluído: “Oh! eu manterei meu direito, seja como for; isto de modo algum me lesará; eu manterei minha autoridade franca e livremente”. Isaque poderia ter agido assim em conformidade com o costume popular. Mas ele sabia que Deus o ordenara ministro para que a herança da salvação repousasse em sua casa. E ele sabia que não passava de um instrumento dela, e que isto era assim, não porque Deus resignara seu ofício para ele, muito embora lho houvesse comunicado. Pois se Deus comunica sua autoridade àqueles a quem estabelecera no ministério de sua Palavra, nem por isso ele significa que se privaria dele, nem que transferia seu direito nesse particular, não importa de que maneira. Isaque sabia, pois, que, porquanto fosse meramente um instrumento do Espírito Santo, aquilo que pronunciasse prevaleceria; e ainda não há dúvida de que isso lhe fora revelado. Pois previamente ele fora, por assim dizer, restringido; o amor que ele nutria por seu filho mais velho de tal modo o intoxicara, havia perdido totalmente a memória daquilo que já vimos. Porquanto ele não ignorava o que Deus havia determinado: “O mais velho servirá ao mais moço”. E, não obstante, ele é um homem, por assim dizer, totalmente insensível e destituído de razão, sempre dedicado a seu filho Esaú, e nem se lembrava de que tinha de deixar-se governar por Deus. Ora, isto não procedia de qualquer rebelião deliberada e fixa (como já declaramos), e, sim, era amor que o cegara, e por isso ele não notava que teria simplesmente de descansar na vontade de Deus. Eis como sua excessiva pressa o fez esquecer tudo isso. Assim, pois, notemos bem que este profundo receio, de que fala Moisés, era como se visse repentinamente despertado e assustado, e se visse apoderado com algum espanto, e concluísse que tal coisa lhe sobreviesse como um presságio de morte, e que seus inimigos tivessem inclusive se achegado ao seu leito. Essa era a situação em que Isaque se encontrava.
Aqui, porém, temos de observar, em primeiro lugar, que é bom quando Deus nos desperta de modo abrupto, quando nos sentimos por demais apáticos e então ele se achega a nós cada dia. De fato podemos concluir que somos bastante vigilantes, quando ouvirmos a palavra de Deus, e formos zelosos, e parecer que somos mui precavidos a este respeito. Mas, tudo o que temos ouvido nos escapa rapidamente, em especial quando temos coisas contrárias diante de nós. Se formos exortados à paciência, e parecer que nisso temos sido tão bem ajuizado, que aí nada nos falta, ninguém vem nos perturbar, recebemos apenas uns poucos golpes, incontinenti seríamos tão inflamados com ira e desprazer, que esquecemos aquilo que nos foi falado.
Uma vez mais, quando somos exortados a desprezar as riquezas e honras deste mundo, se formos deduzidos a elas pelo diabo, nosso adversário, estaremos, por assim dizer, adormecidos nelas, e todos os nossos sentidos estarão inteiramente ocupados nisso. Ora, se nosso Senhor usou uma simples admoestação, indubitavelmente é como se ela falasse a um homem adormecido. E o que isso aproveitaria a um homem? Cumpre, pois, que Deus nos desperte pela força e com frequência. E sempre que Deus nos açoitar, e um de nós for castigado dessa maneira, um após outro, examinemos o que estava em nós, e assim saberemos que por algum tempo estivemos entorpecidos e insensíveis, que nada sabemos daquilo que deveríamos saber; ou, melhor, que não estivemos suficientemente atentos; assim, aprendamos com o exemplo de nosso pai Isaque, que, visto que nosso Senhor nos estimula e quer que pensemos nele profundamente e de bom grado, e que recuperemos todos os nossos sentidos, os quais antes estiveram oscilantes; aprendamos, repito, a tirar daí nosso proveito. Aprendamos a observar como Isaque espontaneamente se submeteu à vontade de Deus. Eu já disse que os que quiserem manter sua reputação serão voluntariosos; ainda quando tiverem praticado o maior mal no mundo, contudo sempre o manterão. E esta é a razão por que tantas pessoas mergulham tão fundo, até mesmo nas profundezas dos abismos sem fundo, ou, seja, se envergonharão de haver reclamado; deveriam ter a fama de constância, e acreditam que, se mudassem, isso seria lançado em seu rosto como grande leviandade e inconstância. Eis a razão por que os homens se endurecem na obstinação, com ousadia e presunção, a fim de seguir algo, não importa o que seja, e tome o freio em seus dentes, e de modo algum se inclinará, nem para um lado, nem para o outro. Ora, este é um vício bem comum, e tanto mais lhe estaremos sujeitos, a menos que atentemos bem para o que aqui nos é recitado.
Isaque poderia ter sido grandemente envergonhado, porquanto fora tão defraudado e abusado, como alguém diria, que mais parece um homem embriagado, que costuma choramingar, que come e bebe e toma um pelo outro; e, mais, alguém poderia dizer que ele não passava de um glutão, não conseguindo discernir entre um cabrito e um veado; além disso, se poderia dizer: “O que?! Enquanto abençoava seu filho mais moço em lugar do mais velho, estava sendo fraudado, visto que se cometia contra ele um erro e um latrocínio; porventura ele pensava que isto tinha algum valor diante de Deus?”.
Isaque, pois, poderia ter tido, em seu caso, muitas considerações para ser tão obstinado. No entanto, esquece tudo e sabe que, visto que Deus ordenara que Jacó fosse abençoado, então que permanecesse e não se fizesse nenhuma mudança a esse respeito. Somos, pois, sucintamente ensinados que sempre que agirmos inadvertidamente, fazendo o que a Deus não apraz, ou, melhor, se excedermos nossos limites, e irmos além de nossa vocação, seja no que for, encurtemos sempre as rédeas, tão logo formos advertidos, e não demos vazão ao problema, porque isto é manifestamente desprezar a Deus. Mas temos especialmente que considerar, ainda quando Isaque se deixou levar por um afeto negativo, e ainda quando esquecesse aquilo que fora pronunciado por Deus, de que a fé não estava totalmente extinta nele, muito embora estivesse sufocada.
Este argumento foi abordado ontem de modo mais amplo; contudo ele deve, a propósito, ser ponderado um pouco mais. Pois, o que moveu Isaque a dizer: “Eu abençoei a teu irmão; muito embora a obtivesse por meio de fraude, contudo ele permanecerá abençoado”? Que lição ele ensina? Seria necessário que ele soubesse disto previamente. Agora ele sabe, mas, como eu já disse, a luz de sua fé era como uma brasa que se encontrava encoberta de cinzas; ninguém via nada ali, mas, se removesse um pouco das cinzas, logo as faíscas apareceriam, uma após outra, e em seguida o fogo se avivaria. Ainda assim, ela estava em Isaque; e isto não está escrito apenas de sua pessoa, mas no fim deduziríamos daí uma doutrina geral. Pois algumas vezes o mesmo nos sobrevém e acontece conosco, ou, seja, quando tivermos afrouxado as rédeas de nossas vaidades, uma for arrebatada pela ambição, a outra for tomada pela cobiça para amontoar bens terrenos, a outra tiver algum néscio apetite, em suma, a outra for afastada e alienada de Deus por alguma sorte de expediente, então nossa fé (por assim dizer) é morta. Ora, Deus não permite que ela seja totalmente abolida. Pois quando a Palavra expande raízes vivas em nós, ela é uma semente incorruptível; não pode, pois, ser totalmente erradicada. Mas, seja como for, não se pode dizer que não houvesse uma fagulha ou uma gota de fé, sendo de tal sorte fria, que já nem pensamos em Deus, e que o mundo já não nos pode vencer totalmente. Quando alguém anda tão ao léu, a ponto de só pensar em suas luxúrias, se poderia dizer que tal fé é totalmente morta. Ora, isto bem que poderia ser uma mera aparência; não obstante Deus ainda reserva alguma semente oculta; como já dissemos, o fogo pode estar abafado, porém não totalmente apagado; é só revolver as cinzas. Pois todas as nossas afeições, riquezas, honras e prazeres mundanos são as cinzas a abafar esta luz divina, que deveria guiar-nos e conduzir-nos. Nosso Senhor, porém, tendo compaixão de nós, faz com que logo depois reconheçamos nossas falhas; e, enquanto formos tão frios, sim, como que totalmente congelados, começamos a aquecer-nos novamente, nosso zelo renasce e voltamos para ele.
Eis, pois, como Deus concretiza em seus fiéis aquilo que lemos aqui de nosso pai Isaque. Isto, porém, não é dito com o fim de tentarmos a Deus, como se nos fosse permitido deixar-nos arrebatar pelo diabo, de tal sorte que nossa fé, por assim dizer, hiberne em nossos corações e almas. Pois nem sempre ocorre que Deus desperte os que se acham em profundo sono e chame outra vez os que estão alienados dele. Aprendamos, pois, a andar em temor e prudência; especialmente quando acharmos homens tão entorpecidos, que fossem como que totalmente insensíveis, e que sua fé estivesse neles como que morta. Aprendamos a temer tanto mais. Que santidade havia em Davi! E no entanto vemos que ele foi, por algum tempo, como um homem desatinado. Mais tarde, tendo cometido um erro tão abominável, ou, seja, o de tomar a esposa de outro e ter ocasionado a morte de seu esposo de modo tão perverso, e com uma traição tão aleivosa, que mereceu ser afugentado de entre os homens. Depois de tudo isso, qual tipo de profeta tenha sido ele, qualquer que fosse o temor de Deus que houvesse nele, em suma, muito embora fosse um espelho de perfeição angelical, vemos que se tornou como um boi ou um cão, destituído de conhecimento e de qualquer remorso, é como se Deus lhe houvera dado um sentimento réprobo e o houvera ferido com um espírito de entorpecimento. Sim, e quando o profeta veio ao seu encontro e lhe apresenta esta comparação, falando-lhe de um vizinho que, pelo uso de violência oprimira um homem pobre — oh, ele sabia muito bem condenar outros, e entrementes nada pensava de si mesmo —, então o profeta [2Sm 12.7], dizendo-lhe: “Tu és o homem”. Até que o profeta Natã lhe dissesse: “A Urias, o heteu, feriste à espada; e a sua mulher tomaste por mulher”. Até que ele veio e lhe deu um golpe com um cajado, como se fosse a chifrada de um touro, ele continua insensível no erro. E, conquanto o diabo o tivesse vencido, como se ele estivesse embriagado, sim, totalmente enfeitiçado, foi preciso que Deus trovejasse sobre ele.
Quando, pois, vemos exemplos tais como este que nos é aqui relembrado por Moisés, de que Isaque, o líder da Igreja, é, por assim dizer cego neste particular, até que Deus o tenha revelado pela força. Tanto mais (como eu já disse) nos cumpre atentar bem para andarmos em temor e prudência. Entrementes, aprendamos quando Deus nos dá tais empurrões e esporadas com o fim de nos fazer voltar para ele, enquanto formos insensíveis e nos habituarmos por muito tempo com tão fortes sabores. Quando nos dá a graça, repito, de chamar-nos de volta para ele, que nos deixemos comover, como nos convém, e para que não enxuguemos nossa boca depois de havermos dito, com uma palavra, que erramos como tantos outros; mas que sigamos aquilo que aqui nos é ensinado por Moisés, a saber, que Isaque temeu. E como? Profundamente; sim, maravilhosamente. Pois é impossível que cheguemos ao arrependimento, a menos que sintamos um peso que nos atormente e como se estivéssemos no inferno, sentindo nossa desdita, e, a esse respeito, confusos. Até que sejamos exercitados, de tal forma que sejamos impelidos nessa direção, é certo que não haverá em nós nenhum arrependimento. Isto ensina como devemos praticar esta doutrina, a saber, que, quando nosso Senhor tiver nos sensibilizado, que de nossa parte nos sintamos, por assim dizer, feridos no âmago de nosso coração, e nos sentamos tão perplexos, que nunca mais nos volvamos para nossa indolência e negligência, se porventura com isso ficarmos esmagados por algum tempo.
Ora, Isaque ainda revela ainda mais sua fé, dizendo: “Ele será abençoado”. Pois bem sabia que Deus o ordenara para este ofício, e que ele não falou em seu próprio nome. Pois a sentença de Deus não pode ser revogada. Cumpre, pois, que ele o mantivesse ali. Daí, temos que deduzir mais, neste lugar, o que já mencionamos, a saber, que Isaque, aqui, não ultrapassou seu limite, ainda quando fracassado em virtude de sua ignorância, e se deixasse enganar sobre a pessoa, contudo sempre conservou um bom princípio, a saber, que ele executava o que Deus confiara ao seu encargo; e, portanto, isto permaneceria concluído, e teria seu efeito. Ora, isto é dito para nossa instrução. Pois bem sabemos que hoje nosso Senhor quer que a remissão de nossos pecados seja anunciada pela boca dos homens, e quer assegurar-nos da herança da salvação eterna, e também que sua adoção nos seja declarada. Ora, é preciso que a esse respeito estejamos resolvidos. Pois se não tivermos plena certeza de nossa salvação, e se não pudermos invocar a Deus, é como se a porta do paraíso fosse fechada em nosso rosto. Mas, entrementes, eis um homem que fala e diz que perdoará nossos pecados, e no entanto ele mesmo não passa de um pecador. Além disso, ele nos promete a vida celestial; e esta é uma criatura tão pobre, que não passa de um bloco de argila, que nada mais é senão fumaça; e no entanto nos abrirá o céu, quando nem mesmo é digno de habitar a terra; pois quem dentre nós é digno de ser acalentado aqui embaixo sob a custódia de Deus? Assim, pois, quando estendermos nossos olhos para aqueles que nos proclamam a Palavra de Deus, pela qual nos protestam que Deus nos mantém e nos reconhece por seus filhos, que nos perdoa os pecados, que nos recebe no nome de nosso Senhor Jesus Cristo como justos e inocentes, cabe-nos deveras estender nossos olhos para o alto. Pois se nos apoiarmos nos homens, é certo que sempre iremos longe demais. E, além disso, vemos que eles estão saturados de falhas; e isto ocorre com o fim de abalar-nos e minimizar a autoridade de Deus, e por fim subverter totalmente nossa fé. Tanto mais, pois, devemos atentar bem para este texto, o qual foi escrito para nós, ou, seja, que, quando formos abençoados, cumpre que se mantenha isto, e fique bem estabelecido, como já declaramos a promessa de nosso Senhor Jesus Cristo: “tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus” [Mt 18.18].
O papa, com o fim de ratificar sua tirania, falsamente corrompeu este texto. Pois ele quer que uma pessoa lhe esteja obrigada, e tudo isso foi inventado por ele. E, além disso, para que se creia que ele pode fazer tudo, ainda quando subverta totalmente a autoridade de Deus, ele quer ser temido e obedecido, e ninguém deve contradizê-lo em nada. Ora, esta é uma blasfêmia extremamente detestável. Mas sabemos que nosso Senhor Jesus Cristo não promove as pessoas dos homens a ponto de fazer delas ídolos. E então? Ele imprimiria em sua Palavra a credibilidade que ela merece. Pois, sem isto, o que ela seria? Como eu já disse, estaríamos nos digladiando sempre em dúvida, e jamais tranquilos. Mas, quando temos ciência que, ao ouvirmos as promessas de perdão de nossos pecados e da graciosa adoção divina, ouvimos que ele nos convida a si, que ele nos abre a porta a fim de termos o familiar acesso para invocá-lo, ainda quando seja um homem mortal o que nos fala, contudo nisso não nutrimos dúvida, indagando se foram anjos que desceram do céu; sim, e mais, porquanto Paulo [Gl 1.8] teve a ousadia de dizer que, se um anjo descesse do céu e pregasse alguma outra doutrina além da que ele pregava, então que fossem tidos por demônios. Pois ele bem sabia de quem havia recebido sua doutrina, a saber, que ela viera de Deus.
Assim, pois, aprendamos magnificar aquela reverência que devemos à Palavra de Deus, quando ela nos for pregada, e estimar com toda sublimidade aquele inestimável tesouro, muito embora esteja ele em vasos de barro. Pois quem somos nós para pregarmos a Palavra de Deus? Se alguém atentar bem para nossa condição, por certo que tudo quanto pregarmos redundará em nada; mas o tesouro (como eu já disse) deve ser sempre estimado em conformidade com a dignidade dele, muito embora Deus o tenha posto em nós, e não passarmos de vasos quebrados, que nada contêm senão argila.
Eis, pois, o que temos de aprender sobre estas palavras: “os que te abençoarem serão abençoados”. De que maneira? Teria Isaque aqui o privilégio de dizer que aquilo que pronunciasse prevaleceria? Após comer e beber, e ser um homem ainda mais cego, sendo tão insensível que nem sabia o que fazia, sendo tão obtuso que, ao ouvir a voz de seu filho Jacó, permite ser guiado como um pobre animal irracional, e não obstante diz: “Prevalecerá?”. Sim, mas ao reconhecer sua falha se sente confuso, e não obstante segue em frente. Pois bem sabia onde Deus o estabelecera, e por isso dá glória a Deus, e se desfaz totalmente de seu próprio entendimento, bem sabendo que nada possuía de propriamente seu.
E, assim, aprendamos que Isaque de tal modo se ordenara, e de tal sorte descansara na Palavra de Deus, que renuncia totalmente seus afetos com que outrora se deixara arrebatar. Nesse meio tempo, temos aqui uma boa norma acerca de nós mesmos, na qual somos advertidos que, quando formos ensinados, muito embora tal coisa seja feita pela instrumentalidade de homens mortais, que nos são enviados, de que Deus nos aceita e nos considera seus filhos, que isto nos seja suficiente, e para que possamos desprezar a Satanás e a todas as tentações, bem como todas as coisas que porventura penetre nosso cérebro a fim de abalar nossa fé.
E por isso lemos: “Esaú gritou, sim, vociferando e rugindo, e … uivava, por assim dizer, como um animal selvagem” [v. 34], e que, no entanto, queria ser abençoado — “Abençoa-me também a mim, meu pai” —, e que seu pai lhe disse: “Veio teu irmão astutamente e tomou tua bênção” [v. 35]; e que então ele despreza a seu irmão Jacó, e diz: “Não é com razão que se chama Jacó?”. Pois já declaramos que o nome Jacó foi extraído de calcanhar, como se alguém o chamasse “aquele que segura o calcanhar”. E isto se deu porque ele segurava o calcanhar de seu irmão, enquanto saía da madre. Então diz que recebia um golpe de seu calcanhar. Como se alguém dissesse, quando um animal se lança sobre ele, que foi ferido por seu calcanhar.
Ora, Esaú aplica isto a seu irmão: “Ele me suplantou duas vezes”, diz ele. E esta palavra provém também de capcioso, quando um homem aplica secretamente um golpe com seu pé e faz alguém cair. Então ele diz que ele já o trapaceara duas vezes com seu calcanhar. A primeira vez, quando surrupiou dele a primogenitura; e, agora, quando surrupiou sua bênção. Ora, temos de observar aqui, em primeiro lugar, o que o apóstolo nos mostra [Hb 12.17], ou, seja, que, muito embora Esaú chorasse e lamentasse, mesmo assim não houve nele lugar para arrependimento; pois sua tentativa foi tarde demais. E isto está em conformidade com a exortação que fizemos supra. Lemos que não devemos ser profanos como o foi Esaú; que não devemos ser mundanos, e nem que toda nossa preocupação seja com nossos corpos e com esta vida transitória, a tal ponto que nos esqueçamos da vida celestial. Por quê? Porque, diz ele, os que se profanam e se maculam em seus imundos desejos podem clamar, porém não haver para eles lugar de arrependimento, porquanto a porta lhes estará fechada. Ora, é verdade que isto, à primeira vista, pode parecer estranho. Porque lemos: “Sempre que, e em qualquer tempo, por mais pecador alguém seja, se lamentar e rogar perdão, Deus estará sempre pronto a recebê-lo em sua misericórdia, desde que se volte para ele”. Esta é uma promessa de caráter geral.
Assim, pois, como se dá que o apóstolo diga que não acharemos lugar de arrependimento, se o buscarmos tarde demais, se não adianta lamentar? Mas isto será facilmente compreendido, quando tivermos distinguido entre os clamores dos fiéis e os dos incrédulos. Tanto um como o outro deveras clamarão a Deus, porém de modos diversos; pois os fiéis se deixarão tocar pelo genuíno arrependimento, quando clamam e quando lamentam. Lemos também que Davi bramiu, e que sua garganta se tornou rouquenha. Eis, pois, os clamores que os filhos de Deus emitem; é como se bramassem à maneira de um leão. E logo depois ouvimos o que diz Ezequias: que suas palavras não saíam, e que ele gemia em seu íntimo como as andorinhas, e que já nem podia falar, que já estava rouco, e que nem mesmo podia articular sequer uma palavra de modo distinto, que estava como que totalmente arrasado.
Vemos que os fiéis têm experimentado esta aflição. Mas, entrementes, experimentam também o genuíno arrependimento; que imediatamente são tocados por seus erros, como se faz necessário que eles sintam desgosto íntimo, e se humilhem diante de Deus. E depois disto concebem alguma esperança de obter o perdão. Ora, os incrédulos vociferam com vigor, porém não a ponto de permitir que seus corações não mais sejam empedernidos; lágrimas rolam de seus olhos, porém não a ponto de estancar seu orgulho e rebelião contra Deus. Deveras sentem algum horror dos juízos divinos, porém isto não os impede de o desprezarem; pois jamais chegarão a odiar suas ofensas e de sentir aversão por elas. Assim era Esaú. E, portanto, temos de deduzir que, sem arrependimento, tais clamores serão rejeitados por Deus e jamais chegarão a ele. E, quando o apóstolo fala de arrependimento, sua intenção não é dizer que Esaú teve arrependimento genuíno; simplesmente quis dizer que ele não alcançou misericórdia, e que Deus não se compadeceu dele.
E, assim, atentemos bem para nós mesmos, e sintamos aversão por esta blasfêmia que o diabo semeia no mundo, a saber, que não há outra necessidade senão de um bom suspiro. Pois veja-se bem aqueles gregos folgazões, ao serem exortados a que se convertessem de sua perversidade: “Oh! Eu estou de posse disto há tempo; e Deus é um bom colega”. Veja-se ainda outra blasfêmia por demais detestável, contra a qual até mesmo as próprias pedras devem fender-se. E, a despeito de tudo isso, Deus é misericordioso. É como se aqueles que se acham sob o nome da misericórdia tivessem Deus obrigado a eles; mas ela lhes será ternamente aceita. Sim, veja-se aqueles que chegam ao ponto de dizer: “Oh! no fim não haverá necessidade de muita coisa senão de uma boa quantidade de um bom suspiro”. Sim, mas que realmente fará isso? Porventura a temos em nosso poder? Deus não deve agir aí? Quando alguém falha, muito embora tenha se prejudicado, ele pode muito bem recuperar-se; se tiver, porém, quebrado seu pescoço, como se recuperará? Ora, diante de Deus todos os nossos erros são letais; e, pior ainda, somos postos e entregues nas mãos de Satanás. Como já dissemos, porventura uma pessoa pode levantar-se quando seu pescoço for quebrado?
Ora, é indubitável que, sempre que ofendemos a Deus, é como se quebrássemos nosso pescoço, quanto está em nós fazê-lo. E, assim, porventura restauraremos nossa vida depois que a tivermos perdido? Veja-se, pois, que devemos estimular-nos para que andemos em prudência, e não retardemos os passos até que a porta se feche em nosso rosto; senão que estejamos atentos a todas as advertências que porventura nos forem ministradas. E quando Deus bater, então corramos a abrir-lhe. E, além do mais, temos que reter aquilo que o profeta Isaías nos fala: “Buscai o Senhor enquanto se pode achar; invocai-o enquanto está perto” [Is 55.6]. É verdade que o tempo não faz grande diferença que tiremos dele muita vantagem. No entanto, devemos entender, à guisa de conclusão, que esta passagem de Isaías se cumpriu quando o evangelho foi pregado, como Paulo declara na Segunda Epístola aos Coríntios: “Eis agora o tempo sobremodo oportuno, eis agora o dia da salvação” [2Co 6.2].
E devemos observar de igual modo a similitude que nos é mencionada por nosso Senhor Jesus Cristo, ou, seja, que não deixemos escapar a ocasião, a saber, quando Deus nos convidar a irmos a ele, então que vamos a ele, sim, e correndo; e não permitamos que nossos passos sejam lentos, para que não suceda que nossa ingratidão no fim nos torne segregados, e a porta se feche para nós. Prestemos muita atenção, repito, em todas essas exortações, e tiremos bom proveito delas, para que, uma vez achado lugar de arrependimento na presença de Deus, doravante sejamos precavidos quanto às nossas falhas, tendo nossa boca aberta para regozijar-nos nele e louvando seu santo Nome, para que ele seja misericordioso para conosco.
Oração Agora, porém, lancemo-nos diante da majestade do bom Deus, em reconhecimento de nossos erros, orando para que ele nos faça senti-los de tal sorte, que não mais nos conservemos neles, nem nos apeguemos a eles, nem nos vangloriemos neles; senão que, de tal sorte nos volvamos para nosso Juiz, rogando sua misericórdia a fim de nos acharmos nele, não só para que ele entre em acordo conosco, não nos imputando nossas iniquidades e ofensas, mas também para que Santo Espírito nos purgue, e assim sejamos mais e mais transformados; e para que ele nos desperte, e não mais sejamos obstinados em nossos erros; mas que meditemos em todas as correções pelas quais ele arraste do caminho mal, no qual temos demorado, e que tiremos proveito de todas as advertências que ele nos tem ministrado, e assim não nos envergonhemos e sejamos por ele condenados, e por fim alcançar misericórdia. Que ele mostre seu favor não só a nós, mas a todos os povos e nações da terra etc. |
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About Sermões Sobre Eleição e ReprovaçãoEsta coletânea de sermões a partir do livro de Gênesis lida com um tema glorioso que, ao longo das eras, tem sido por vezes mal interpretado e ignorado da maneira mais injusta, e, na maioria dos casos, vergonhosamente negado e combatido. Calvino conduz o leitor destes sermões ao entendimento correto dessa doutrina profunda, fazendo com que encare a verdade bíblica da soberania do Criador e compreenda que Deus é Deus, de modo que não precisa apresentar justificativas ao homem nem lhe explicar o poder que o Oleiro tem sobre o barro, quando molda, para desonra, os vasos de ira preparados para a destruição. Embora nem todos os sermões tratem explicitamente sobre a predestinação, todos eles são profundamente doutrinários e práticos. Ao longo de todas as exposições, assim como em toda a teologia de Calvino, encontra-se o tema que perpassa todas as coisas: a soberania do Deus e Pai de Jesus Cristo. Esta soberania é o propósito e poder divinos governando todas as coisas que acontecem, a desobediência do réprobo e, de igual modo, a obediência do eleito, tudo para a glória de Deus na salvação da igreja de Jesus Cristo. Seguindo o apóstolo Paulo em Romanos 9, João Calvino via na história inspirada de Jacó e Esaú a revelação da predestinação eterna de certos indivíduos para a salvação, e de outros para a danação eterna. |
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