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DÉCIMO PRIMEIRO SERMÃO: Gênesis 27.1–7
Tendo-se envelhecido Isaque e já não podendo ver, porque os olhos se lhe enfraqueciam, chamou a Esaú, seu filho mais velho, e lhe disse: Meu filho! Respondeu ele: Aqui estou! Disse-lhe o pai: Estou velho e não sei o dia de minha morte. Agora, pois, toma tuas armas, tua aljava e teu arco, sai ao campo, e apanha para mim alguma caça, e faze-me uma comida saborosa, como eu aprecio, e traze-ma, para que eu coma e te abençoe, antes que eu morra. Rebeca esteve escutando enquanto Isaque falava com Esaú, seu filho. E foi-se Esaú ao campo para apanhar a caça e trazê-la. Então, disse Rebeca a Jacó, seu filho: Ouvi teu pai falar com Esaú, teu irmão, assim: Traze caça e faze-me uma comida saborosa, pra que eu coma e te abençoe diante do Senhor, antes que eu morra.
Ontem vimos como Esaú, através de seu casamento, mostrou suficientemente bem que não se preocupava muito com aquela bênção que fora prometida à casa de Abraão, seu pai, porquanto esta era a prole que possuiria a terra de Canaã. Seria necessário, pois, que o povo que então habitava ali fosse totalmente erradicado, e esta terra fosse totalmente dedicada ao povo de Deus. Da mesma forma, ele seria purgado de todas as contaminações. Vejamos como Esaú se associa com esse mesmo povo ao qual Deus de antemão havia condenado. Este, pois, era um sinal de que ele apostatara de Deus, porque de outro modo não poderia ter se aproximado daquele povo. E se realmente fosse um herdeiro da promessa, ele teria se mantido perenemente nessa única linhagem e vínculo, e não teria se mesclado, que outra coisa não era senão interromper o curso da graça que fora prometida. Mas, como já vimos, ele tomou esposas dentre os heteus. Notemos, pois, como ele renunciou, quanto estava nele fazê-lo, a graça de Deus, através da qual toda a prole de Abraão possuiria por herança a terra de Canaã. Mas há ainda um segundo erro. Pois ele tomou duas esposas, o que era contrário à lei do matrimônio, como já vimos. Pois a sentença que Deus havia pronunciado era que o homem tomasse para si uma auxiliadora, e não duas ou três. E, além do mais, quando Eva foi criada e dada a Adão, Deus disse que “os dois serão uma só carne” [Gn 2.24]. Temos aqui, pois, a norma que os homens devem manter perenemente. Portanto, vemos que Esaú inclusive quebrou os laços de toda a honestidade, sim, da própria natureza, e que ele era homem mui bestial neste particular.
É verdade que seu avô Abraão teve duas esposas; nisso, porém, ele merece ser condenado. E, além disso, não foi seu desejo que o levou a isso, senão que, pela excessiva pressa de sua esposa, ele chegou a isso. E, quando tudo for bem pesado, isso se deveu ao seu inconsiderado zelo de querer desfrutar daquilo que Deus lhe prometera, ou, seja, que sua descendência seria abençoada. Ora, ele continuava sem filhos. Por isso ele tomou uma segunda esposa; mas isso serviu (como eu já disse) para perverter a ordem que Deus havia estabelecido. Nisso, ele agiu mal. Esaú, porém, que alegação teria, senão que era um homem dissoluto, e nada tinha em si senão vício e perversidade, de modo a não poder distinguir entre matrimônio e fornicação? E esta é a causa de haver ele tomado duas esposas. Ora, é bem notório que naquele tempo o matrimônio era mantido com dificuldade entre os povos do Oriente. Pois estes eram sempre mui dados às suas concupiscências carnais; de tal sorte que, além daquilo a que chamam poligamia (isto é, pluralidade de esposas), ainda cometiam incestos com muita frequência. E esta nação era mui bestial neste ponto, a qual não levava em conta a gravidade da profanação do matrimônio.
No entanto, nem por isso este costume justifica a Esaú. E, assim, notemos bem que diante de Deus não haverá nenhuma justificativa dizermos que cada um faz o que quiser, e que nisso temos grande número de companheiros. E assim não pensemos que estaremos isentos diante dele. Não obstante, quando os vícios reinam num país, e os homens promulgam leis contra os mesmos, se porventura alguns as negligenciam, cada um se gratifica, e cada um toma por testemunhas aqueles que o têm guiado à destruição. E (como dizem) esse e aquele agem bem; e depois, quando os homens vêm a eles, e lhes dizem: “Por que agistes assim? Olhai para este e para aquele, como agiram bem”. Todos nós, porém, estaremos embrulhados num só pacote, e Deus sabe muito bem como entrelaçar-nos como espinheiros, quando fizermos dos vícios deles um disfarce, os quais, quando praticam o mal, deveriam, antes, ser-nos exemplo a levar-nos a fugirmos deles.
Mas, não obstante tudo isso, Isaque se deixa cegar pelo amor de seu filho Esaú. Ele o via agora tão degenerado da raça, visto que ele se chafurdava como se fosse um porco numa esterqueira, porquanto fizera aliança com as mesmas pessoas a quem Deus rejeitara. E, além do mais, pervertia a ordem e instituição do matrimônio. Não obstante, seu pai suportava tudo isso. Lemos que as esposas de Esaú se tornaram como que um acicate para Isaque, e que seu coração estava ferido com tudo isso, mas de modo que o amor de seu filho sempre o levava a suportar tudo.
Ora, é possível que houvesse alguma virtude; porém isso não significa que tudo nele era louvável, nem lhe faltasse algo neste aspecto. Pois ele poderia ter mantido seu filho mais velho, muito embora fosse tido em aversão, porquanto se fizera tão alienado de Deus e porque quanto estava nele tornara nula a promessa de salvação. Pois o que seria da Igreja se a estirpe de Abraão se misturasse com aqueles povos? Isaque, pois, deveria ter sido mais sensível ao ver seu filho tão profano. E, já que via nele tal bestialidade, agindo como se fosse algo sem importância possuir duas esposas, e as teria tido às dúzias, caso fosse capaz de sustentá-las.
Portanto, ao tolerar tais erros em seu filho, com toda a certeza ele ofendia a Deus. Porque, a menos que os pais usem de severidade e corretivo, quando a necessidade o requeira, quando percebe que seus filhos são culpados de perversidade, com isso deixam de cumprir seu dever. Nosso Senhor lhes dera autoridade sobre suas casas e proles. E para quê, senão para os manter em temor e os restringir, a fim de prestarem conta quando algum mal acometesse sua família? Eis, pois, que basta a Isaque uma falha vergonhosa, no entanto vai muito longe agindo assim em relação a seu filho Esaú. Lemos que seus olhos começavam a enfraquecer-se, uma vez que sua visão já se ofuscava. No entanto, é certo que este néscio amor que nutre por seu filho mais velho o cegava muito mais que sua idade ou a falta de seus sentidos corporais. Pois ele teria notado (como um fato) que Deus tinha preferência por Jacó, e não por Esaú, e mesmo assim o resiste, como já vimos previamente, ao lermos que ele amava a Esaú, e que Rebeca amava a Jacó. E o amor dela era em obediência prestada à revelação celestial. Porquanto Deus já havia pronunciado esta sentença: “O mais velho servirá ao mais moço”. Em grande medida, Rebeca tinha uma visão superior à de seu esposo. Embora seu propósito não fosse esse, contudo ele segue em frente como se resistisse a Deus. Mas seu sentimento obsessivo o impede de ponderar, e daí perde a discrição e juízo.
Diante desse fato, podemos ver como devemos suspeitar sempre de nossos sentimentos afetivos. Pois eles nos impelem sempre a chocar-nos contra Deus. Como um touro perseguido, que dá chifradas para cá e para lá, assim nossos apetites e desejos nos arrastam, e de tal modo nos arrebatam, que de um modo notório fazemos guerra contra Deus, sim, sem nunca nos apercebermos disso; sem nunca penetrar em nossa memória: “Isso me é proibido; Deus o condenou e o rejeitou”. Portanto, tão amiúde temos nossos sentidos de tal modo embaraçados, que não conseguimos manter nossos passos no caminho. A esse respeito, vemos um exemplo em Isaque. Ao longo de toda sua vida, ele foi como que um espelho de santidade e viveu, por assim dizer, uma vida angelical, conservando-se no temor de Deus. Aqui, porém, falha de tal modo que Deus é como se nada lhe representasse. Ele pisa sob a planta de seus pés aquilo que foi apreendido por sua esposa, isto é, que agora o direito de primogenitura foi passado para Jacó. Não obstante, ele vai além disso. Ora, chega a causar perplexidade que ele ainda fosse ministro de Deus e profeta. E tão logo recebeu o encargo de ministrar a bênção àquele a quem Deus lha ordenara, no entanto age como se fosse o mantenedor e designador dela. Deus lhe dera tal honra, como se quisesse dizer: “Eu abençoarei aquele a quem me aprouver abençoar, mas o testemunho procederá de tua boca. Tu serás o mensageiro; especialmente aquilo que pronunciares terá autoridade de justiça; será autêntico e o ratificarei no céu”. Deus lhe conferira esta honra, contudo ele deixou-se enredar na ignorância; ele faz justamente o contrário, especialmente em relação ao seu dever e ao que seu ofício requeria. Isto, à primeira vista, pareceria uma coisa intolerável; Deus, porém, que por seu maravilhoso conselho, o dirigiu de tal sorte, nesta questão, que ele converteu as trevas em luz e mostrou que isto não era algo segundo a fantasia do homem; que a herança da salvação viria a este ou àquele homem; mas que, a despeito de todos os homens, a possuiria aquele a quem fora ordenada e estabelecida, e que ela teria seu efeito. Visto, porém, que todas as coisas não podem ser entendidas de uma só vez, sigamos aquela ordem de numeração que Moisés usa e mais adiante por fim deduziremos aquele proveito que esta história nos proporciona.
Lemos que Isaque, vendo-se agora aplicando seu fim colimado, visto que ele era transitório, então diz a seu filho Esaú: “Estou velho e não sei o dia de minha morte. Agora, pois, toma tuas armas, tua aljava e teu arco, sai ao campo, e apanha para mim alguma caça. Faze-me uma comida saborosa, como eu aprecio, e traze-ma, para que coma e te abençoe antes que eu morra”. Isaque, ao dizer que não conhecia o dia de sua morte, tem em vista que se via aproximando-se do túmulo. Porquanto não existe ninguém que conheça o dia de sua morte. Deus sempre nos mantém em suspense e dúvida acerca disto, visando sempre a que nos mantenhamos preparados. A morte (segundo o provérbio popular) é certa para todos; a hora, porém, da morte nos é desconhecida. E isto nos é mui proveitoso, pois vemos como os homens são dados a seus prazeres, e se divertem enquanto acreditam que desfrutam de alguma trégua ou alívio. E o que sucederia caso soubessem com certeza do fim de sua vida? Todo o gênero humano se inclinaria a toda espécie de mal, e Deus seria desprezado durante todo esse tempo. Mas, quando nosso Senhor nos mantém tensos, de tal modo que desde o ventre materno nos vemos cercados pela morte, como vemos nos fetos que morrem antes mesmo de entrar no mundo, isso nos abala tanto que não podemos viver sequer um minuto sem sentirmos que, tão logo nascemos, estamos sujeitos à morte, como o declara nossa própria fragilidade. Pois, com quanta variedade de doenças estamos cercados! E a quantos perigos e obstáculos nossa vida está sujeita! Assim, pois, não há jovem nem idoso que não diga com razão que não sabe quando morrerá.
Mas o significado destas palavras é como eu já disse, ou, seja, que Isaque bem sabia que não podia continuar no mundo. E, deveras, embora os jovens e os que são fortes e na flor da idade devem estar preparados para esquecer o mundo e o próprio momento de morrer, enquanto ainda vivem, contudo a maioria fracassa nesse ponto, a despeito de nossa natureza advertir-nos a não mais nos dedicarmos ao mundo. De modo que temos de deduzir desta tendência de Isaque que, visto que todo homem se vê fraco e transitório, de tal modo a arrastar suas pernas após si por onde viveu por muito tempo, que isto (repito) nos estimula tanto mais a nos prepararmos para a morte. Ora, é mui procedente que aqui ele fale não com outra intenção, senão a de abençoar Esaú; mas esta admoestação é de tal importância que, quando vemos a morte aproximar-se, aprendemos espontaneamente a entregar-nos nas mãos de Deus e a glorificar seu Nome com tal obediência que já não vivemos para nós mesmos. E, depois que tivermos aberto mão de tudo, de modo que nada mais nos detém ou intervém de seguirmos avante com alegre determinação quando formos chamados.
Mas, quando fala da bênção, isto não deve ser entendido como sendo uma oração comum. Porque, sem dúvida, Isaque orava por seus filhos todos os dias; e aqui lemos: “Para que eu te abençoe antes que morra”. É possível, pois, deduzir que esta bênção de que fala Isaque era tida em especial consideração; e deveras (como eu já disse) Isaque era, por assim dizer, o administrador e zelador da promessa de Deus; e este tesouro fora confiado à sua responsabilidade e crédito para abençoar. E determina por que o apóstolo afirma: “O menor foi abençoado no lugar do maior” [Hb 11.20?], porque seria necessário que neste caso ele fosse munido da autoridade procedente de Deus. Isto foi declarado mais claramente no período da lei. Pois os sacerdotes eram ordenados, não só para que ensinassem ao povo e oferecessem sacrifícios, mas também para que abençoassem, e a própria forma disso lhes foi atribuída. E com frequência, quando Moisés fala deste ofício, ele estabelece os sacerdotes, a quem Deus escolhera, para que abençoassem. No entanto, eles fazem isto, no tocante às suas próprias pessoas, não de outro modo senão como figuras; mas isto visava a mostrar que pertencia a nosso Senhor Jesus Cristo ser uma testemunha diante de nós da bênção divina, e ratificá-la em relação a nós; como também ele o demonstrou quando ascendeu ao céu, estendendo suas mãos e abençoando seus discípulos. Ele mostra, pois, que a verdade e substância dessas figuras da lei se cumpriram nele. Ora, ele era isso antes mesmo que a lei fosse escrita; pois Deus quis que Abraão fosse o pai da Igreja, e justamente por isso abençoou a Isaque, como se a herança lhe fosse consignada, a qual lhe fora prometida. Isaque, agora, agiria da mesma forma, porquanto não recebera a bênção só para si, mas para que ela permanecesse perenemente em sua casa. Ele seria, pois, o ministro da graça de Deus, como ainda vemos hoje que ele comunica seus benefícios e dons espirituais entre nós pelas mãos daqueles a quem ele ordenara para este fim. Os homens, pois, não podem perdoar nossos pecados, e no entanto nosso Senhor Jesus Cristo usa esta figura de linguagem: “A todo aquele de quem perdoardes os pecados, serão perdoados”. Ora, acima de tudo ele reservou isto para si, como protesta Isaías: “Eu, ó Jacó, e nenhum outro, é que removo tuas iniquidades”. Ora, muito embora unicamente Deus tenha este poder de perdoar pecados, e de purgar-nos de nossas máculas, não obstante ele faz isto pelas mãos dos homens. Temos no batismo um infalível emblema de que Deus não lançará nossas ofensas em nossa conta, senão que somos como que justos e limpos diante de seus olhos e, além disso, temos a garantia de que ele nos renovará por seu Espírito Santo, a fim de andarmos em toda pureza. Ora, os homens não nos podem dar isto, no entanto Deus os toma aqui como instrumentos, e faz isso mediante seu favor. Outra vez: “Porventura é no poder de alguma criatura mortal que somos feitos participantes do corpo e do sangue de nosso Senhor Jesus Cristo?”. Não obstante, na ceia, ao distribuir o pão e o vinho, é indubitável que isto não é uma figura fútil e vazia, senão que tudo é consumado e que nosso Senhor Jesus Cristo se mostra fiel nisto, pois é ele que no-lo dá, e era muito atribuí-lo aos que nada são e nada podem fazer, dizer que têm nosso Senhor Jesus Cristo para comunicar-lhes e que lhes cumpre receber um bocado de pão e uma gota ou duas de vinho. E deveras isto nos é bem demonstrado quando ele diz: “Minha carne é o pão que desceu do céu” [Jo 6.50]. E ele o dá de duas maneiras: uma é aquela que ele deu quando a si mesmo se ofereceu a seu Pai para a purificação dos pecados. “O pão que eu darei pela vida do mundo é minha carne” [Jo 6.51].
Eis dois tipos de doação: ele deu sua carne quando a ofereceu para a satisfação de todas as faltas, a fim de que Deus fosse apaziguado por nós e para que viéssemos a tornar-nos justos. Ora, a segunda doação é aquela que ele faz diariamente. Portanto, se pertence a Jesus Cristo dar-se aos fiéis, os quais o recebem pela fé, segue-se, pois, que isto não deve ser atribuído aos homens, como se eles possuíssem tal poder, mas apenas que Jesus Cristo não desiste de aplicar-lhes isto. E assim tem sido em todos os tempos. Pois Deus tem sempre reservado para si o louvor da salvação dos homens; mas isso não impede que estes sejam instrumentos por meio dos quais ele opera. Eis, pois, como ele faz isto por meio de Isaque, para demonstrar que ele pronunciaria a sentença da bênção para a qual ele foi ordenado. E deveras vemos isto na doutrina do evangelho, pois o que é a pregação do evangelho? “É o poder de Deus para a salvação de todo o que crê” [Rm 1.16], no dizer de Paulo, e aí ele fala daquela palavra que procede de nossa boca. O que é o poder de Deus? E si ele nada é; mas apraz a Deus exibir seu poder por meio dos homens para que sua palavra tenha tal efeito e poder na operação, que seja como se fosse uma chave a nos abrir o reino de Deus; como também ele o comparou às chaves do reino do céu.
Assim, pois, notemos bem que Isaque aqui não fala de alguma bênção comum, como da oração e de quando abençoamos uns aos outros e oramos para que Deus demonstre misericórdia a nossos semelhantes e para que ele lhes dê aquilo que bem sabe ser-lhes conveniente. E assim bênçãos falam de muitas coisas. Isaque, porém, sabia que fora ordenado ministro de Deus para administrar aquele tesouro que fora confiado à sua responsabilidade. E isto é digno de detida observação, a fim de não conservarmos para nós a doutrina que é pregada, sabendo o que ela implica. Porquanto há muitos homens fantásticos (como os anabatistas que recusam o ministério da palavra, preferindo que sejam ensinados imediata e diretamente por Deus) que recusam todos os meios inferiores, e sem asas pretendem subir acima das nuvens. “Porventura Deus”, dizem eles, “não é suficiente para ensinar-nos? Porventura não é ele que nos dá a fé? E porventura o Espírito Santo não está nas mãos dos homens? Que necessidade temos de ouvir alguma pregação? E qual é o fim de lermos tanto? Tudo isso é supérfluo, pois Deus pode inspirar-nos suficientemente sem que nossos ouvidos sejam bombardeados com a língua. Pois ele tem tudo quanto nos é necessário para nosso benefício e salvação; e ele o trará à concretização. E então os homens o manteriam, por assim dizer, obrigado a eles? E o poder de seu Espírito porventura seria confundido e misturado com esses meios inferiores como se ele não detivesse a liberdade?”.
Eis o que esses espíritos fantásticos afirmam. Ora, eles não consideram que Deus não está atado e obrigado aos homens quando se utiliza de seus serviços, pois ele faz o que lhe parece bom. É verdade que a fé ordinariamente vem pelo ouvir, no dizer de Paulo, de modo que não podemos ter fé a menos que ela nos venha por meio dos homens. E porventura Deus não pode fazer de outra maneira? A questão, aqui, não é sobre o poder de Deus, e sim sobre sua vontade e sobre aquilo que ele ordenou. E, portanto, quando dizemos: “E Deus não pode fazer isto ou aquilo?”. Ele o pode, sim, mas, visto que ele o fará de outro modo, então devemos descansar nisto. Assim, pois, aprendamos a receber esta doutrina que diariamente nos é ensinada, com toda reverência, sabendo que, quando tivermos este testemunho, nossos pecados nos são perdoados, tudo é ratificado no céu, como se Deus mesmo falasse. Pois ele não quer que estimemos sua verdade pelo padrão humano, que é quebradiço e falso e nada contém senão vacuidade. Mas ele quer que sua verdade seja estimada por seu próprio valor e por sua própria natureza. E, entrementes, tenhamos esta sobriedade e modéstia para que nos submetamos à ordem que ele estabeleceu. E assim esta palavra de bênção tem muito a dizer.
Ora, aqui Moisés começa nos lembrando como Rebeca encontrou uma sutileza e esperteza para assim surrupiar de Esaú sua bênção e a transferir para Jacó. E depois de falarmos dos vícios de Isaque, vemos os mesmos em sua esposa Rebeca; e, não obstante, ambos criam em Deus, ainda quando estivessem tão obscurecidos e embatucados, que dificilmente exerceriam algum discernimento. Que Isaque possuía uma fé genuína, e que isto procedia de um zelo também genuíno, é possível ver claramente. Pois se ele não estivesse plenamente persuadido disso em seu íntimo, de que a herança que lhe fora prometida lhe seria dada, bem assim esta bênção à sua descendência, no que isto resultaria? Seguramente, apenas uma parte astuciosa e uma coisa de nada. Isaque, pois, tinha que resolver, muito embora se visse, por assim dizer, com um pé na sepultura, sua vida se consumindo e não lhe restando mais que um dia de vida. Seja como for, não obstante ele sempre mantinha o que fora dito firmado em sua mente, ou, seja, que sua família seria abençoada e que Deus o escolhera, e que isto não era em vão e que, a despeito de não perceber o cumprimento dessas promessas neste mundo, não obstante Deus estava no céu e que nem ele nem os seus seriam enganados, senão que aguardariam por isto. Razão por que Isaque, tendo buscado todos os dias de sua vida, contra todas as tentações que o poderiam ter destruído, contudo na morte persevera na fé e na paciência, e isso honra ao Deus em quem ousadamente deposita sua confiança. Pois tantos quantos confiam em Deus jamais serão confundidos. Isaque possuía isto, e esta era uma fé mui excelente.
Pois vemos aqui um pobre caminhante, e lemos o que lhe é dito, “serás o herdeiro deste país”, e não obstante não possuía sequer água para beber, como já vimos. Ora, ainda quando a morte o ameaçasse, contudo nem mesmo sabe quando ela virá, salvo que esteja plenamente preparado para ela. E, acima de tudo, ele despreza a Satanás e ao mundo, e permanece firme neste fato: que Deus não o enganará; e pouco lhe importa se morrer, ou se transformar em pó, contanto que a verdade divina prossiga e exerça sua plena virtude e poder. Eis Isaque, pois, que não sai em busca deste mundo, mas que renuncia todos os seus sentidos e permanece inabalável; e, indubitavelmente, Deus usou de mercê para com ele e para com sua estirpe. Aqui, como eu já disse, temos sobejo motivo para enaltecê-lo; e, entrementes, ele se deixou cegar de tal modo pelo amor de seu filho, que passou a lutar contra Deus, ainda quando sequer por um momento perceba tal coisa. Isto, de sua parte, não constituía uma rebelião manifesta, nem uma malícia voluntária, mas se deu porque ele estava apático e não conhecia seu ofício, senão em parte. Ele sabe muito bem que Deus o faria atingir uma dignidade tal que chegaria a ser o mensageiro e testemunha desta bênção. Ele tem ciência disto; e, não obstante, por seu turno ele se deixa enganar. Ele tinha, pois, neste caso, uma fé particular; ele tinha um zelo bem intencionado, porém mesclado com os afetos carnais.
Mas, volvamo-nos para Rebeca. Aqui, esta se comportou com tola precipitação, pois que temeridade era que a bênção divina chegasse a ser profanada por meio de astúcia e mentira! Sim, repito, mentir de maneira tão injuriosa pode resultar em algo muito grave. A questão aqui envolvia a salvação do mundo; a questão envolvia a Jesus Cristo, a quem Deus enviaria na qualidade de Redentor. No entanto, qual é o procedimento de Rebeca nesse particular? É indubitável que algo de tal importância deve ser tratado com o máximo temor e humildade. Que temeridade era tentar ela fazer aquilo que lhe parecia bom, numa obra divina tão excelente e que envolvia toda a raça humana! Pois Rebeca, bem sabendo que a bênção que buscava para seu filho Jacó implicava que ele seria a cabeça da Igreja durante sua vida, e que dele procederia nosso Senhor Jesus Cristo, contudo ela subverte isso; não se preocupa em mentir, falsear e perverter tudo. E ainda é como se ela expusesse a graça de Deus ao desdém e ridículo. Porque, equivalia torná-la vilmente estimada dizer que ela viria na forma de cobertura do pescoço de seu filho e das mãos de um trapaceiro, dissimulando assim que ele é peludo, e pretendendo extorquir Esaú de todos os seus ornamentos. E, além de tudo, ela faz seu filho mentir; e, pior, faz Jacó sair em busca de um cabrito com o qual Isaque se fartasse e cresse ser carne de veado. E, em seguida, que ele sentisse o cheiro das roupas de Esaú; em suma, imaginar que, com isso, ela estaria subvertendo a eleição divina.
Temos aqui, pois, erros mui abomináveis; e, no entanto, tudo isso procedia de uma fé excelente, se realmente havia alguma. Isso é por demais estranho. Mas podemos julgá-lo facilmente. A quê, pois, Rebeca visava? Ela amava a seu filho Jacó, e que lhe valeria haver sido abençoado através de fraude? Pois isso equivaleria não obter riquezas nem ter qualquer proveito com respeito ao mundo; sim, pior ainda, ela o expõe à ira e maldição de seu pai. Além disso, ela conhecia Esaú, que era saturado de veneno, homem feroz, vingativo e iracundo. E, deveras, ela verá mais tarde que Jacó corria risco de vida. Rebeca conhecia todas essas coisas, não obstante ateia fogo em sua própria casa, onde poderia manter consigo seu filho predileto, ter seu aconchego, administrando tudo de tal modo que ele não sofresse necessidade no mundo, sem expô-lo a tais perigos. Mas, o que ela fez? Ela imprimiu em seu coração que a primogenitura pertencia a Jacó, como Deus lhe havia prometido, e assim obedeceria a Deus e estaria encarecendo esta primogenitura, ainda quando esta não desfrutasse de nenhum valor entre os homens, como mais adiante se verá que Jacó chamou Esaú “meu senhor”; humilhou-se diante dele; sim, a ponto de dobrar seus joelhos.
Ora, ainda quando esta mesma primogenitura fosse de nenhum valor aos olhos do mundo, contudo Rebeca lhe tem grande estima. Vemos, pois, indubitáveis e seguros testemunhos de uma grande e inusitada fé que residia seu coração, a saber, que ela obedeceria a Deus a despeito de seu esposo e de tudo o que ele tinha, contanto que ela executasse, sem falha, aquilo que Deus pronunciara. E que ela estimava essas bênçãos espirituais mais que tudo o que existia no mundo. Eis, pois, as marcas indubitáveis de sua fé: ela possuía tão grande zelo, que esqueceu e desconsiderou as coisas negativas que lhe sobreviriam. Por quê? Porque ela se conformou à vontade de Deus e renunciou a seu filho mais velho e abriu mão de todo o afeto materno; e, sabendo que ele seria preterido, ela diz bem que ele era como que um membro deteriorado, porque Deus assim o ordenara. Aqui, vemos em Rebeca virtudes nobres mescladas com vícios.
E, pelo presente, somos admoestados a andar em temor, se bem que Deus nos dá uma singular afeição para meditarmos sobre ele, não obstante vivermos sempre de tal modo emaranhados em trevas que, quando imaginamos fazer o melhor que podemos no mundo, contudo haverá motivo para emenda quando Deus nos chamar à prestação de contas. E, de fato, não há ninguém que não prove ser isto verdade; pois ainda quando seja este nosso alvo, correr para ele se Deus nos chamar, contudo damos tantos passos em falso, que causa penúria ver, e os que correm mais depressa para atender à ordem divina, mesmo assim eles saem do caminho e se embrenham por trilhos e emaranhados, e Deus lhes permite isso para que não sejam dominados pelo orgulho. Pois se suas próprias virtudes são tão débeis diante de Deus, então o que dizer daqueles vícios pelos quais são totalmente condenados? Labutamos por fazer o bem; nos esforçamos ao máximo; não obstante, vivemos ofendendo a Deus. Por que é assim? Porque há em nós tal enfermidade, e a ignorância nos enleia totalmente. Ainda quando Deus nos ilumine, e divisemos bem o caminho, contudo amiúde densas nuvens empanam nossos olhos de tal sorte que, em vez de nos mantermos na vereda, vagueamos para um lado ou para o outro.
Notemos bem quão frágeis são as virtudes dos fiéis, para que aprendamos a descansar unicamente na mera bondade de Deus e para que lhe apraza perdoar nossas ofensas e ainda aceitar que, ante a justiça, seríamos justamente condenados. Como, pois, é possível que nossas obras ainda sejam aceitáveis por Deus? Como é possível que ele chame os sacrifícios de aroma de cheiro suave, e que são tão aceitáveis diante dele, que ainda receberão um galardão? Isso se dá não por algum mérito [humano] que os papistas imaginam, e sim porque Deus ama aqueles que poderia rejeitar com justiça e considerar como se fossem uma abominação.
Portanto, notemos que na fé de Isaque podemos visualizar as imperfeições que nos são inerentes, enquanto vivemos neste mundo, muito embora Deus nos tenha renovado, em parte, por seu Espírito Santo, e ainda quando bem sabemos que ele opera de tal sorte que o mal que ainda jaz em nós não o impede de concretizar sua obra, mesmo por nosso meio. Como, por exemplo, se buscamos achar uma perfeição angelical num ser humano mortal, jamais será achada aí, nem jamais se achará alguém que nunca se viu maculado com algum tipo de falha. Portanto, os sacerdotes que eram figuras e representações de nosso Senhor Jesus Cristo, antes de tudo rogavam o perdão para suas próprias ofensas, ainda quando faziam intercessão pelo povo e eram como que mediadores, e que por seus sacrifícios aboliam os pecados; não obstante, eles começavam em si mesmos. Agora, porém, a propósito, se buscarmos nos ministros da palavra, em quem não haja falta alguma, sem dúvida que a nenhum acharemos; e necessariamente se dá que o mais excelente dos homens é exemplo de fragilidade e inconstância.
Agora, porém, se concluirmos: “Como, pois, acharei minha salvação por intermédio deles? Pois ainda percebo que são saturados de imperfeições”. No entanto, aprendamos (como eu já disse), na pessoa de Isaque, que Deus não deixa de concretizar sua obra, ainda quando haja ignorância naqueles que nos guiam, os quais, quando nos ministram os dons espirituais, os quais lhes foram confiados, e dos quais Deus os fez guardadores, embora não sejam tais como deveriam, contudo não deixamos de receber deles nosso benefício; porquanto Deus os usa e lhes ordena, de tal sorte, nesta obra que desempenham, que sua graça nem por isso é obstruída, porque um homem pode achar coisas que devem ser melhoradas neles.
Portanto, isto é o que devemos ainda observar neste lugar. Mas, em suma, vemos que a fé dos filhos de Deus amiúde se revela frágil e emaranhada, não como os papistas têm imaginado; pois denominam de bestial uma fé desconexa, quando uma pessoa afirma: “Eu creio no Deus de minha mãe; eu não sei o que a totalidade da cristandade significa; mas, para mim, basta simplesmente praticar obras; e eu creio no que a santa mãe igreja crê”. E de fato a maioria dos sacerdotes dirá: “Eu creio no Deus de minha camareira, porque ela crê no Deus que faz repolhos crescerem após os haver plantado”. Veja-se a fé implícita e confusa dos papistas, a qual é a própria bruxaria do diabo; mas a fé desconexa dos filhos de Deus se deve ao fato de serem eles mantidos na ignorância. Mas, a despeito de tudo, há alguma luz. Então, o que é fé? É uma compreensão que temos da bondade e favor de Deus, depois que ele nos ilumina por seu Espírito Santo e por sua Palavra. Pois a fé não pode ser destituída destes dois elementos, a saber, sem a Palavra de Deus. Eu digo como Deus ordenou sua Igreja, e depois ela não pode existir sem o dom do Espírito. Pois a Palavra de Deus deve ser-nos proclamada de manhã e à tarde, e dela nenhum proveito usufruímos a menos que Deus abra nossos ouvidos e nos ilumine, porquanto somos miseráveis cegos. O sol sempre brilhará sobre nós; mas os que são cegos não discernem entre o dia e a noite; para eles ambos são a mesma coisa. E o mesmo se dá conosco: se Deus não nos iluminar o interior, quando nos envia sua santa Palavra a alumiar-nos a vereda, permaneceremos pobres extraviados, ou ovelhas perdidas.
Assim, pois, compete que nossa fé tenha luz em si mesma; no entanto, digo que essa luz está envolta e entrelaçada com densas trevas. Pois não contemplamos a Deus face a face, nem somos capazes de compreender seus segredos, e é suficiente que os conheçamos em parte e tenhamos alguma degustação daquilo que nos será revelado mais perfeitamente do que quando nos despirmos de nossa carne e formos transportados para aquela glória celestial e companhia dos anjos.
Eis, pois, sucintamente o que devemos aprender neste lugar, a saber, que nossa fé, ainda quando seja grande e inusitada, contudo estará sempre envolta em alguma fraqueza, e em alguma imperfeição e ignorância sobre aquilo que Deus nos deu a conhecer. Ora, disso podemos deduzir que, quando a Escritura pronuncia que somos justificados e salvos mediante a fé, não significa que é pelo mérito da fé. Pois, se fosse assim, nossa salvação estaria fundada na dignidade da fé, e assim nossa fé seria perfeita. Porque, se nossa fé é frágil (como eu já disse), e que temos só uma parte dela, então teríamos só uma parte da salvação; e, mais, ela seria abalada e seria sempre oscilante e em dúvida. Mas, quando lemos que somos salvos pela fé, isso se deve ao fato de aceitarmos a mercê divina, a qual devemos estimar como sendo plenamente suficiente para nossa salvação. Nossa fé é imperfeita, sim, mas, quando nunca houver uma fagulha tão pequena, contudo a bondade divina suprirá aquilo que falta, ainda quando no momento portemos essa massa corrupta, não só em nossos corpos, mas em toda nossa natureza. Sabemos, porém, que nossas almas seguem rumo à morte, e, nesse meio tempo, onde está nossa vida? Está em nós. Como? No fato de recebermos o Espírito de Deus, no dizer de Paulo no oitavo capítulo de Romanos [vv. 1–27]. E porventura temos o Espírito de Deus em plenitude? Não propriamente. Há, por assim dizer, apenas uma fagulha ou gota dele; mas ele diz que isto é vida, e tragará em nós tudo quanto pertence à morte, e o tornará sem efeito. Notemos, pois, que, embora nossa fé seja mui pequena, e que no tocante a nós não concebemos a centésima parte dos benefícios que Deus nos oferece, sim, e o que degustamos de sua graça não passa de uma pitada, todavia nem por isso perdemos a esperança de ser salvos pela fé. Pois a questão, como eu já disse, não está em nossa avaliação, ou de a pesarmos em nossa balança, ou, seja, se temos uma fé excelente para a obtenção da graça de Deus e daquilo que se faz necessário à salvação, mas a questão é simplesmente esta: que, quando Deus declarou que quer ser nosso Pai, então que abracemos esta promessa e nos firmemos aí. E se houver alguma dúvida ou desconfiança, então que a resistamos e firmemo-nos nesta conclusão: “Ainda assim estamos certos de que Deus não nos desapontará”.
Portanto, atentemos bem para o que aqui temos de reter, seja do exemplo de Rebeca, seja do exemplo de Isaque. Moisés, porém, diz agora que Jacó recusou, dizendo: “Esaú, meu irmão, é homem cabeludo, e eu, homem liso. Dar-se-á o caso de meu pai me apalpar, e passarei a seus olhos por zombador; assim trarei sobre mim maldição, e não bênção” [vv. 11, 12]. Vemos aqui, por assim dizer, dois grandes vícios em Jacó. Um é que ele temia a seu pai mais que a Deus. É verdade que este pode ser assim julgado, mas quando todos forem bem caracterizados, é certo que foi o temor de Deus que o moveu a isso. Porque, concernente à maldição de seu pai, ele não se mostrou muito preocupado com ele, senão nisto: que estava impresso em seu coração que seu pai fora estabelecido como que testemunha da promessa que Deus lhe fizera. Visto, pois, que Jacó possuía isto, é um sinal de que ele não se apoiava em tudo que procedesse do homem, senão que na pessoa de seu pai ele considerava aquilo que Deus decretara.
O outro mal era sua incerteza. Ora, sabemos que, em nossa vida, se não estivermos bem certificados, não moveremos sequer um dedo com o fim de não pecarmos e Deus não seja ofendido. Por que é assim? A obediência é de mais valor que o sacrifício. Quando tentarmos fazer algo, sem sabermos se nos é lícito, e se Deus nos deu permissão, isto é tão sério quanto injuriar a Deus; de modo que ficamos sem saber como comer e beber, ou ser concisos, ou nada fazer; não tanto para remover um grão de poeira, mas que todas as nossas ações seriam condenadas, e que Deus as teria em total aversão. E Paulo também falou nestes termos. Porque, por esta palavra de fé, ele, em Romanos capítulo 14, entende a certeza de que estamos seguros de que o que fazemos é permitido por Deus e está em concordância com sua Palavra. No entanto, Jacó declara: “Como isto é possível? Não tenho o corpo cabeludo como o de meu irmão”. Ele nutre dúvida, e esse é um sinal de que, depois de haver obedecido a sua mãe, cometeria um mal, e que tudo quanto tomasse em suas mãos nada mais seria senão confusão, e que Deus o detestaria. E, seguramente, assim teria sido se permanecesse perenemente em dúvida de que tudo quanto ele fizesse, sendo pecaminoso, provocaria a ira de Deus. Veremos, porém, pelo que segue, que ele foi confirmado.
Mas a resposta que sua mãe lhe dá é esta: “caia sobre mim essa maldição, meu filho” [v. 13]. Mas ela não foi tão incisiva e ríspida como se nos apresenta aqui, senão que lhe mostrou que ele era o escolhido de Deus, e que a primogenitura lhe pertencia. E, deveras, veremos como ele foi confirmado, e que já não temia quando compareceu diante de seu pai. Assim, pois, se pode deduzir facilmente que Jacó foi confirmado para imbuir-se e saber que a bênção que ele buscava não podia ser frustrada. Não obstante, nesse meio tempo, não podemos justificá-lo por ele haver caído repulsivamente já no ponto de partida. A questão aqui era no tocante à edificação de sua casa; aqui, porém, Jacó duvida, sentindo-se confuso, não sabendo se aquilo era bom ou ruim. Percebemos, pois, que ele teve um início negativo; e, consequentemente, nesse caso nada mais sentia senão confusão, nem nutria qualquer esperança em Deus. Em suma, vemos tanto em Jacó quanto em Isaque e Rebeca que a graça de Deus não lhes veio nem tiveram qualquer acesso a ela por sua própria sabedoria, nem por seus bons meios que tivessem inventado. Eis, pois, as omissões que houve aqui; Deus, porém, suportou todas as suas falhas e ofensas, e operou de tal modo, por sua infinita misericórdia, que temos sobejos motivos para curvarmos nossas cabeças e confessarmos que ninguém mais existe senão um só, de quem toda nossa felicidade depende e de quem ela procede.
| No entanto, dobremos agora nossos joelhos diante da majestade de nosso bom Deus, em reconhecimento de nossas falhas, e rogando-lhe que ele abra nossos olhos, para que sempre, mais e mais, as conheçamos, a fim de não nos vangloriarmos nelas; mas que aspiremos e suspiremos pela obtenção de seu perdão; e, nesse meio tempo, lutemos de tal sorte contra todos os nossos desejos carnais, que por fim sua justiça nos inflame plenamente, da qual ainda nos achamos distantes. E que ele revele sua graça não só a nós, mas também a todos os povos e nações da terra etc. |
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About Sermões Sobre Eleição e ReprovaçãoEsta coletânea de sermões a partir do livro de Gênesis lida com um tema glorioso que, ao longo das eras, tem sido por vezes mal interpretado e ignorado da maneira mais injusta, e, na maioria dos casos, vergonhosamente negado e combatido. Calvino conduz o leitor destes sermões ao entendimento correto dessa doutrina profunda, fazendo com que encare a verdade bíblica da soberania do Criador e compreenda que Deus é Deus, de modo que não precisa apresentar justificativas ao homem nem lhe explicar o poder que o Oleiro tem sobre o barro, quando molda, para desonra, os vasos de ira preparados para a destruição. Embora nem todos os sermões tratem explicitamente sobre a predestinação, todos eles são profundamente doutrinários e práticos. Ao longo de todas as exposições, assim como em toda a teologia de Calvino, encontra-se o tema que perpassa todas as coisas: a soberania do Deus e Pai de Jesus Cristo. Esta soberania é o propósito e poder divinos governando todas as coisas que acontecem, a desobediência do réprobo e, de igual modo, a obediência do eleito, tudo para a glória de Deus na salvação da igreja de Jesus Cristo. Seguindo o apóstolo Paulo em Romanos 9, João Calvino via na história inspirada de Jacó e Esaú a revelação da predestinação eterna de certos indivíduos para a salvação, e de outros para a danação eterna. |
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